Passeando pelas ruas e avenidas do Brasil, é possível perceber uma semelhança em todos os territórios: símbolos religiosos, como igrejas, templos e terreiros. A fé está em todos os lugares.
Isso acontece porque o Brasil é um dos países mais religiosos do mundo. De acordo com a pesquisa Global Religion de 2023, 9 a cada 10 (cerca de 89%) brasileiros acreditam na existência de uma ou mais divindades. O número se equipara somente com a África do Sul (89%) e a Colômbia (86%).
Com a popularização de rádios e televisores, não demorou para a religiosidade brasileira chegar aos meios digitais por cultos, missas, giras e rituais no geral. Esses suportes seguem sendo usados pelas pessoas como forma de fortalecer a fé, principalmente devido ao impulso do "modo remoto" que a pandemia de covid-19 causou.
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O discurso religioso ganhou também as redes sociais, pois o compartilhamento da rotina se tornou ainda mais intenso no on-line. Com a chegada de ferramentas como o "Stories", do Instagram, e do TikTok, diários de rotina dos internautas passaram a ser mais frequentes. Diversas religiões participaram de "trends" e dancinhas, popularizando conteúdos relacionados à fé, como o livro devocional evangélico "Café com Deus Pai", escrito pelo pastor Junior Rostirola.
Entre os influenciadores religiosos que ganharam popularidade nos últimos anos, está o padre Patrick, que passou a interagir com seus seguidores para se aproximar das pessoas durante a pandemia.
"Inventei de responder umas caixinhas de perguntas do Instagram falando umas besteiras, sem nunca imaginar que, por meio de uma coisa tão pequena como aquela, Deus ia me levar tão longe. As pessoas acabaram se identificando com o que falo", relata o sacerdote.
O humor inusitado do padre levou mais de seis milhões de pessoas ao seu perfil. A tática, segundo ele, é fazer com que o entretenimento aproxime mais pessoas da religião: "Acaba sendo chocante o poder que esses meios têm de entrar no coração das pessoas. Isso gera em mim um senso de responsabilidade muito grande por essas pessoas que sei que, de alguma forma, voltaram à igreja e ao sagrado por aquilo que eu faço. É muito bonito".
Mesmo diante de algumas críticas de fiéis mais conservadores, Patrick garante que a maior parte da repercussão do trabalho nas redes sociais é positiva.
"Entendo o humor como uma ferramenta para atrair as pessoas, mas se eu não ofereço nada sólido, não seria suficiente para manter", completa.
Sobre o assunto, o padre cearense Carlos Jobed converge sobre a importância da digitalização da religião: "A Igreja precisa avançar cada vez mais no uso adequado das redes sociais. O mundo digital, de modo geral, é propício e necessário para podermos ter acesso e contato com mais pessoas, sobretudo os jovens, para a evangelização".
"Todavia, deve-se ter cuidado para que as formas humanas de relações virtuais, tão comuns hoje, não substituam a necessidade das relações corporais, nos gestos e sentimentos, que acontecem somente quando estamos presentes diante do outro e na vida da comunidade", acrescenta Carlos.
Para Sofia Oliveira, de 20 anos, é interessante ter referências da religião evangélica nas redes sociais. "Eu costumo acompanhar cantoras de gospel, como a Rafa Gonçalves, a Jordana, que estão no Instagram e falam sobre Jesus e feminilidade, um assunto que eu gosto muito e tem tudo a ver com o que a bíblia diz", explica a jovem.
Além dos próprios perfis, ela administra as contas do ministério de sua igreja, intitulado A13. Nessa plataforma, registra as reuniões com um grupo de jovens.
"Cria uma conexão porque a gente fala de temas atuais, considerando até memes, acho que isso fortalece o vínculo", diz Sofia.
Sobre o discurso religioso, ela acrescenta: "Essa ferramenta que a gente usa faz com o que estou falando aqui, do meu estado, da minha cidade, chegue ao outro lado do mundo. Acho que isso nos ajuda a levar a nossa fé para outras pessoas poderem ouvir e se interessar".
Para Jean dos Anjos, que é umbandista e pesquisador de religiões afro-brasileiras, a existência da manifestação de sua fé nas mídias digitais também é importante. "Se as outras religiões podem estar nas redes sociais, nós também podemos", enfatiza.
"Sou fotógrafo e sempre publico fotografias de rituais e cerimônias da Umbanda. Tem muita gente que curte, mesmo sem nunca ter entrado num terreiro", pontua Jean.
Ele também relata que segue o perfil de um terreiro privado que costuma publicar fotos e vídeos das festas que acontecem. "Isso é muito importante, porque dá visibilidade, diz que existimos, que nós resistimos e que estamos em todos os lugares", destaca.
Para o fotógrafo, ter a sua crença midiaticamente ativa é importante para a representatividade de seus irmãos de fé.
"A Umbanda, entre outras tradições, como candomblé e a Jurema, ainda são muito discriminadas porque são religiões praticadas por negros e indígenas, que são povos de minorias sociais que não têm seus direitos sociais garantidos", diz.
Rede de espiritualidade
Autora do livro "Religiosidade, Espiritualidade e Florescimento Humano em perfis do Instagram através da Análise de Redes Sociais", Monique Rodrigues, doutora em Saúde Coletiva pela UFRJ e especialista em espiritualidade e redes sociais, argumenta sobre o fenômeno das religiões nas redes sociais.
"Podemos dizer que a presença da religiosidade nas redes sociais é um fenômeno recente no sentido de alcance e formato. Embora a religiosidade sempre tenha buscado meios de comunicação — como rádio, TV, jornais — as redes sociais possibilitaram uma nova forma de presença: mais direta, interativa e com menor custo", contextualiza.
Ela continua: "Hoje, líderes religiosos, templos, fiéis e simpatizantes podem compartilhar conteúdos religiosos em tempo real, dialogar com públicos diversos e alcançar pessoas fora de suas comunidades locais. Como exemplo, podemos citar o alcance das lives do Frei Gilson e os estudos teológicos da Iane Lipatin entre inúmeros outros perfis de diversas religiões".
Ela explica que a sensação de acolhimento sentida pelas pessoas ao acessar conteúdos religiosos na internet é o que atrai novas pessoas para diferentes crenças. "Quando alguém compartilha sua fé de forma autêntica, isso pode despertar curiosidade, empatia e/ou identificação. Muitos usuários acabam se interessando por uma religião ao ver testemunhos, rituais, músicas ou mensagens que ressoam com suas vivências pessoais", diz.
"A espiritualidade, quando apresentada de forma acolhedora e acessível, pode, sim, gerar conexões e até transformar visões. Por isso, as redes sociais conseguem captar esses laços interpessoais momentâneos", acrescenta.
No caso das religiões de matrizes africanas, ela aborda que a manifestação da religião é um ato de empoderamento, visto que, ainda hoje, sofrem com preconceito e desinformação.
"As religiões afro-brasileiras historicamente sofreram com estigmatizações e preconceitos, muitas vezes por desinformação ou racismo estrutural. Nas redes, praticantes e estudiosos têm utilizado seus perfis para explicar rituais, desfazer mitos, valorizar suas raízes africanas e denunciar discriminações. Isso cria espaços de educação e empoderamento, além de aproximar pessoas que antes tinham medo ou vergonha de se identificar com essas tradições", argumenta.
Para Monique, existe uma diferença considerável de representação entre as religiões nas redes sociais, relacionadas a tradições e intenções de divulgação.
"Os propósitos e estratégias costumam variar bastante. Grupos cristãos, por exemplo, muitas vezes usam as redes para evangelização, pregação e expansão de comunidades. Já os umbandistas e candomblecistas, além de divulgar sua fé, também têm o objetivo de combater o preconceito e preservar suas tradições", diz.
Com casos práticos, ela exemplifica: "Estudos teológicos costumam ter um formato mais estruturado, como um curso de aulas semanais. Assim é oferecido pelos perfis evangélicos, espíritas e kardecistas. Os católicos costumam congregar em torno de um rito com signos e símbolos religiosos, como os terços".
"Os perfis ligados a religiões orientais — como o budismo, o hinduísmo, o taoismo, entre outras — nas redes sociais costumam ter características bem próprias, que refletem valores dessas tradições. Como exemplos, temos as frases de sabedoria, os vídeos curtos de meditação, uma estética mais profunda e minimalista no geral. A religião judaica costuma utilizar as redes com conteúdos educativos, explicativos e abordando datas comemorativas e festividades", conclui a especialista.
Padre Patrick
Famoso nas redes sociais até fora da bolha cristã, o religioso não cresceu com influência da família para se tornar sacerdote. Sua trajetória com o catolicismo começou quando, na adolescência, participou de um encontro de jovens. A partir disso, passou a ter interesse em servir às pessoas por meio da igreja, participando primeiramente de uma experiência vocacional.
"Eu sempre tive propósitos no meu coração, antes mesmo de querer ser padre. Eu via a vida como dom e queria ser útil de alguma forma, não queria viver de qualquer jeito e queria dar sentido à minha vida, me colocando a serviço do outro", conta o padre.
Carlos Jobed
Desde a infância, Carlos Jobed teve grande influência do catolicismo, pois vem de uma família bem religiosa. Aos 17 anos, no fim do ensino fundamental e durante sua caminhada vocacional, ele foi convidado para uma experiência em um seminário de formação para sacerdotes, em São Paulo.
"Devo meus valores humanos e éticos à minha experiência religiosa herdada na minha família, pelo testemunho dos meus pais. Até hoje toda a base moral que carrego, minha disposição em servir a comunidade através do sacerdócio, vem do que aprendi de minha educação religiosa. Por meio dela, estabeleci um alicerce para desenvolver meu trabalho como padre, ao longo de 19 anos".
Sofia Oliveira
Sofia Oliveira é evangélica, da comunidade Videira, e lidera um grupo de jovens no ministério chamado A13. Até os 14 anos, ela se definia como católica não praticante. Mas, a partir dessa idade, mudou sua trajetória quando aceitou um convite: "Num culto de jovens, eu fui tocada por Cristo e alcançada por ele".
"Eu recebi esse chamado de Deus para cuidar de pessoas e eu trato isso com muito amor desde que cheguei. Os grupos de jovens ocorrem pelo menos uma vez por semana, a gente conversa sobre Jesus e sobre a rotina. É uma benção de Deus poder cuidar das pessoas e aproximá-las de Cristo", afirma a jovem.
Jean dos Anjos
Jean é seguidor e pesquisador da Umbanda. Ele destaca que a pesquisa é uma forma importante de aumentar a visibilidade da tradição religiosa, que ainda sofre com preconceito e discriminação.
Desde criança, ele conviveu com sua família paterna, que é umbandista, e sua avó materna, que era rezadeira e morava ao lado de um terreiro. Apesar de ter participado de cerimônias católicas na adolescência, foi na Umbanda que encontrou a espiritualidade.
"Quando a gente vai pro terreiro, sente uma conexão com a nossa ancestralidade, nós entramos numa corrente de solidariedade. Viver a Umbanda é viver também o cotidiano".
Perfis no Instagram que falam de religiosidade
Católicos:
@pefabiodemelo
@pezezinhoscj.oficial
@deiveleonardo
Evangélicos:
@juniahayashi
@fabiolamelooficial
@jordanavucetic
Umbandistas:
@umbandasaber
@davidumbanda
@sandroluiz.umbanda
Candomblecistas:
@candomblee
@candomblebrasiloficial
@candombleancestral
Espíritas:
@espiritismobrasil
@feb_oficial
@ser_tao_espirita