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Adaptação de 'O Eternauta' estreia na Netflix com menos força política
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Adaptação de 'O Eternauta' estreia na Netflix com menos força política

Baseado em um dos principais quadrinhos da América Latina, adaptação de "O Eternauta" chega à Netflix com novos rumos, mas pouco envolvente
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Foto: Marcos Ludevid/Divulgação Minissérie "O Eternauta" adapta graphic novel homônima de Héctor Germán Oesterheld

É noite de verão em Buenos Aires. Em um lado da cidade, vias são ocupadas por manifestantes que reivindicam melhorias após um apagão. Em outro, um grupo de amigos se reúne para uma tradicional partida de truco. Imersos em situações diferentes, logo estarão unidos por uma tragédia comum: a chegada de uma misteriosa e mortal nevasca.

A tempestade de neve tóxica deixa milhares de pessoas desamparadas, corpos espalhados pelas ruas e rastros de dúvidas. É apenas o primeiro ataque de um exército desconhecido que está invadindo a Terra. Para permanecerem vivos, não há alternativas: é preciso se unir e lutar. Ninguém sobreviverá sozinho.

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É dessa forma que se apresenta a série “O Eternauta”, nova produção da Netflix estrelada por Ricardo Darín. A obra é baseada em uma das histórias em quadrinhos mais famosas da Argentina, símbolo da luta por democracia e escrita por Héctor Germán Oesterhel e desenhada por Francisco Solano López. A produção traz uma versão atualizada da história publicada originalmente entre 1957 e 1959 na revista argentina Hora Cero Semanal.

“O Eternauta” ficou conhecido desde então como uma obra carregada de contextos políticos, ainda que sob as vestes de uma clássica ficção científica. Na trama original, um escritor recebe a visita de um homem desconhecido, que avisa sobre um mundo devastado após uma nevasca tóxica atingir a Argentina e matar quem encostar nos flocos de neve. Esse seria apenas o anúncio de uma invasão alienígena em que seria necessário lutar para sobreviver.

Netflix estreia primeira adaptação do clássico

Dividida em seis episódios, a série é a primeira adaptação audiovisual do clássico e aponta construções diferentes em relação ao trabalho original. Os personagens ganham camadas mais realistas, com dilemas mais aprofundados, mas a trama diminui, de certa forma, a carga política.

A obra é dirigida e criada por Bruno Stagnaro, que escreveu o roteiro com Ariel Staltari, e tem consultoria criativa de Martin Oesterheld, neto do autor de “O Eternauta”. A ambientação da trama é um destaque a parte. Ruas cobertas por neve, corpos espalhados, prédios destruídos, comunicações eletrônicas cortadas… Desde os cenários aos efeitos visuais utilizados para imergir o espectador em uma Buenos Aires distópica, a série se empenhou em transmitir aos espectadores o perigo desconhecido enfrentado pelos personagens.

Os resultados vêm de filmagens em mais de 50 locações, com 30 cenários virtuais. Segundo a Netflix, foram necessários dois anos de desenvolvimento e redação de roteiros, quatro meses e meio de pré-produção, 148 dias de filmagem em Buenos Aires e mais um ano e meio de pós-produção.

Foi necessário também “um enorme esforço logístico para fechar estradas e cobrir lugares icônicos na neve”. Em números, foram mais de 2.900 pessoas envolvidas, entre elenco e figurantes, bem como 500 máscaras para os personagens.

Os índices ajudam a dimensionar o peso da obra, que segue relevante no imaginário de fãs não somente na Argentina. A plataforma de streaming percebeu a importância que devia dar à adaptação. Afinal, trata-se também de uma história sobre identidade — nesse caso, de origem argentina, mas que pode se expandir para outros contextos — e sobre resistência.

Nesse sentido, mesmo que transcorra em uma cidade argentina, a série se propõe a universalizar seus acontecimentos — levando o público a compreender que os eventos poderiam ocorrer em quaisquer lugares. Esses traços se manifestam em comunicações entre personagens, por exemplo, ao descobrirem que a neve tóxica não atingiu apenas a capital.

Na versão contemporânea de “O Eternauta”, há novos personagens, bem como são adicionados contextos e dilemas às suas trajetórias. Nas interações entre eles, a circunstância principal é a sobrevivência, como seria esperado, mas há momentos em que desavenças do passado são postas à tona. Cabem a eles lidar com o contraste de tempos — como as aflições do presente e as incertezas do futuro.

O drama é construído episódio a episódio. Os espectadores parecem conhecer o perigo da trama simultaneamente aos protagonistas, levando alguns capítulos para se depararem com a ameaça alienígena anunciada previamente. Antes, a série se preocupa em apresentar as angústias humanas e como os personagens se viram para descobrir formas de caminhar - literal e figurativamente - rumo à sobrevivência.

As máscaras de proteção são feitas conforme os materiais disponíveis. Os conhecimentos dos envolvidos são aproveitados de maneiras diversas. Em meio a tudo isso, a ambientação evoca o cenário de uma cidade também marcada por desigualdades sociais e políticas, onde a solidariedade das pessoas será determinante para a sobrevivência.

Outro contraste presente é entre a solidão (de um protagonista que precisa andar por Buenos Aires em busca de respostas) e a coletividade (registrada nos momentos de união na busca por recursos e pela sobrevivência). Na releitura moderna de “O Eternauta”, esses aspectos são intensificados pela inoperância de telefones celulares em um período marcado pela “onipresença” digital.

Se não há como fazer uma ligação telefônica ou checar notícias no celular, como manter a interação informacional? A resposta é evidente: com a parceria de quem sobreviveu. As atuações ajudam a dimensionar o peso trágico da situação e como cada um é frágil naquele contexto, por mais que não admita — principalmente Juan Salvo.

Os novos rumos desenhados pela série demonstram a ousadia de expandir as mensagens estabelecidas na obra original. Esses caminhos vão desde tomadas de decisão a novos conflitos criados, em uma tentativa de se conectar com a atualidade. Nesse sentido, o furor político da HQ acabou sendo atenuado na adaptação, apesar de ainda destacar tópicos como resistência e solidariedade.

Mesmo que originados em épocas e contextos diferentes, o livro e a série seguem com a essência da coletividade. Sobreviver é, então, parte disso.

O Eternauta

  • Onde assistir: Netflix
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