Em meio ao cenário urbano do Grande Jangurussu, em Fortaleza, uma parada de ônibus deixou de ser apenas um ponto de espera para se tornar espaço de arte, memória e resistência. O principal ponto da comunidade Santa Filomena abriga a exposição "Da Terra Batida ao Gramado", que transforma o cotidiano em uma galeria fotográfica ao ar livre.
Com 15 metros de extensão, a instalação cobre toda a estrutura do abrigo com imagens que contam a história da antiga comunidade e do lendário Campo do Coritiba — espaço onde moradores jogavam futebol, celebravam festas populares e se organizavam socialmente.
Hoje requalificado como a Areninha do Santa Filomena, o local é um dos poucos equipamentos de lazer de uma região que enfrenta desafios históricos de infraestrutura, saneamento e habitação.
As imagens foram registradas por Leo Silva, fotógrafo e morador da comunidade, em parceria com integrantes do coletivo Uma Filomena. O acervo vai além do futebol: retrata encontros, ensaios, marchas e sorrisos que traduzem a força do bairro.
"Minha motivação sempre foi essa: fazer com que o meu território tivesse acesso ao trabalho que realizo, que é contar a história da própria comunidade", explica Leo. "Boa parte da comunidade trabalha o dia inteiro e não consegue visitar museus. Às vezes, é preciso até estar numa lista para entrar".
Foi diante dessas limitações que o artista decidiu levar a arte para onde as pessoas estão: a rua. O ponto de ônibus, localizado na Rua Nunes Feijó, em frente ao mercantil mais movimentado
do bairro, passou a receber exposições em ciclos.
A ideia é atualizar o mural anualmente, respeitando o ritmo dos moradores e os desafios financeiros do projeto.
"A meta era fazer uma nova exposição a cada seis meses, mas entendemos que questões financeiras exigem outro ritmo. Então, uma nova mostra a cada ano já transforma bastante, porque entra no cotidiano das pessoas. Elas estão sempre vendo algo novo ali".
A proposta da exposição é clara: romper com a invisibilidade das periferias e afirmar o direito à memória e à cultura. A ação é fruto da articulação entre instituições públicas e movimentos comunitários.
"Quando colocamos na ponta da caneta os espaços culturais do bairro, vemos que somos ricos nisso. Conseguimos fazer arte e cultura dentro do próprio território, e isso é transformador", afirma o fotógrafo. "Entendemos que o que fazemos não é apenas arte, é também uma forma de mudar a história desse local".
Leo critica a imagem que costuma ser projetada sobre o Jangurussu, frequentemente retratado na mídia apenas pelos altos índices de violência. Para ele, a cultura oferece um novo olhar sobre o território: "Quem está dentro da comunidade tem uma vivência específica. O que dizem de fora, o que aparece na mídia, não é tudo. Nós temos um papel fundamental aqui. É a cultura que muda a narrativa".
Desde a primeira intervenção, em 2024, durante o aniversário de Fortaleza, com um mural sobre a Cidade e o clube Santa Filomena, o ponto de ônibus se tornou um espaço vivo de arte e memória. A resposta dos moradores tem sido positiva.
"Muita gente me pergunta: 'Mas por que expor numa parada de ônibus?' E o meu objetivo é justamente esse — levar essas imagens para o espaço público, para que os próprios moradores vejam. Às vezes eles passam com pressa, mas notam algo diferente. E aí, aos poucos, eles param, olham, interagem".
A transformação do local também é visual. O espaço que antes era tomado por propagandas políticas e comerciais hoje é preenchido por imagens em grande formato que celebram a história local.
"O muro agora tem outra função. A gente sobe a rua e já vê as fotos de longe. E, quando o morador vê o próprio cotidiano retratado ali, isso muda o jeito como ele vê o lugar onde vive".
Com visitação gratuita e sem limite de horário, a exposição está aberta por tempo indeterminado. Para além das imagens, ela convida à escuta, à troca e ao reconhecimento de um bairro que segue escrevendo sua história dentro e fora dos campos.
Exposição "Da Terra Batida ao Gramado"
Onde: Parada de ônibus da Rua Nunes Feijó, na altura do número 1454 (Santa Filomena - Jangurussu)
Quando: até outubro
Mais informações:
(85) 9 98664946
Gratuito