Nick Drnaso consolidou seu nome entre os grandes quadrinistas contemporâneos ao fazer de "Sabrina", obra de 2018, a primeira HQ a ser indicada ao Booker Prize (uma das mais importantes condecorações da língua inglesa). O autor retorna ao Brasil com a história em quadrinhos "Aula de Teatro".
Lançado pela Editora Veneta em uma edição de capa dura cuidadosa e sofisticada, a obra do autor norte-americano aprofunda ainda mais sua investigação sobre o mal-estar moderno, usando como palco dessa discussão uma simples aula de teatro para iniciantes.
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Um grupo de estranhos se reúne semanalmente para um curso gratuito de teatro, mas o que se apresenta como uma simples oficina de atuação logo se transforma em algo inquietante. John Smith, um professor enigmático com uma aura misteriosa, que paira de uma forma quase mórbida, conduz os alunos por exercícios que lentamente dissolvem as fronteiras entre o que é real e o que é representado em suas mentes.
As aulas, intensas, distorcem o tempo e funcionam quase como um portal para o subconsciente confuso e muitas vezes obscuro das personagens, e por tabela, do leitor.
Hábil em fazer do ordinário algo desconcertante, o autor não nos poupa dos detalhes cruéis de seus personagens — uma mãe em crise em relação à criação de seu filho, um ex-detento inseguro, um casal desanimado pela rotina em busca de qualquer coisa que possa salvar a relação.
Clichês sociais que ganham dimensão ao serem esmiuçados simbolicamente pelo autor. Em uma das passagens mais intrigantes, um dos personagens se transforma em cachorro durante um exercício, depois disso parece jamais retornar completamente ao que era. A entrega ao papel o liberta de suas amarras sociais, ainda que em um delírio solitário e bizarro.
Visualmente, Drnaso mantém sua estética minimalista, com traços frios e cores pastéis que sugerem apatia, mas que ganham contraste em momentos de distorção e delírios visuais abstratos que se assemelham a alucinações provocadas pelo uso de LSD ou algo do gênero. Há uma forma quase hipnótica no modo como os quadros que narram a história são dispostos — uma regularidade ritualística, como se cada página obedecesse a uma cadência obsessiva. Em certo sentido, a própria estrutura da HQ ecoa o compasso das aulas: repetição, estranhamento e a ruptura entre o real e a mente.
O maior mérito de "Aula de Teatro", no entanto, está menos na alegoria do palco e mais na exposição das máscaras sociais que todos usamos. Drnaso parece nos dizer que atuamos o tempo inteiro: no trabalho, nas relações, até mesmo em nossos momentos íntimos. A oficina é apenas o catalisador para um mergulho em algo que já estava em processo: o colapso da identidade de cada personagens.
Com esse novo trabalho, Nick Drnaso reafirma sua capacidade de capturar os desvios silenciosos da estranha vida contemporânea: a solidão em meio à hiper conectividade, o esvaziamento da comunicação entre amantes, a busca desesperada por autenticidade e aceitação.
"Aula de Teatro" é um experimento narrativo e emocional que desafia o leitor a identificar o que é espetáculo e o que é realidade ou até mesmo o fato de que existe alguma diferença real entre os dois, no nosso dia a dia.
Aula de Teatro
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