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Brisa Flow explora ancestralidade em turnê que percorre a América Latina
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Brisa Flow explora ancestralidade em turnê que percorre a América Latina

Referência no futurismo indígena e no rap contemporâneo brasileiro, Brisa Flow carrega sua ancestralidade em turnê que percorre a América Latina
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Brisa Flow é referência no futurismo indígena (Foto: Tons de Foto/Divulgação)
Foto: Tons de Foto/Divulgação Brisa Flow é referência no futurismo indígena

Há dois anos, Brisa de La Cordillera fez história no Lollapalooza. Ela foi a primeira artista indígena a se apresentar no festival de música. Em seu show, levou outras pessoas originárias na banda de acompanhamento e teve o figurino em parceria com um espaço focado em desenvolver pessoas trans para trabalhar no mercado fashion.

Mais conhecida como Brisa Flow, a cantora, musicista, compositora, poeta, performer e ativista tem se destacado nos últimos anos pela sua música e pelas mensagens atreladas ao seu trabalho. Entre elas, o futurismo indígena, movimento que explora a perspectiva indígena sobre futuro, presente e passado a partir de diferentes formas de arte.

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No Lollapalooza 2023, conseguiu expandir o alcance de sua arte. Aliás, não só nesse evento, pois se apresentou em festivais como Rock in Rio, Festival Sarará e Coquetel Molotov. Suas músicas costuram vivências de território, ancestralidade, deslocamento e resistência latino-americana.

Neste mês, segue com turnê na América Latina para apresentar seu terceiro disco, “Janequeo”, em shows que mesclam música, ritual e resistência. Nascida em Minas Gerais e filha de um casal de artistas chilenos, Brisa Flow discorre sobre amor e destaca a figura da guerreira indígena. Em março, lançou o single “Rosas Brancas”.

Os incentivos para se tornar artista vieram naturalmente, sendo Brisa atravessada pelo fato de seus pais terem sido artesãos e, assim, atingida pela “complexidade da vida em família de artistas independentes e racializados”. Para ela, fazer música sempre foi uma forma de se conectar consigo mesma, com o mistério e com o mundo espiritual.

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“Quando presenciei a experiência da cultura hip hop eu senti que era o que eu fazia, musicando palavras com rimas, então comecei a me envolver mais com a música até entender que seria meu trabalho. Transformar a arte em profissão é uma forma ancestral de sobrevivência que adquiri em família. O corpo tem memória”, exclama.

Nessa trajetória profissional, suas referências musicais variavam conforme se dedicava a estudar carreiras, discos e entrevistas de outros artistas. Alguns nomes que se destacam são Mercedes Sosa, Tupac, Lauryn Hill, Racionais e Violeta Parra.Em sua análise, é desafiador fazer música no Brasil “sendo independente, mãe, um corpo originário e periférica”.

“Sou atravessada o tempo todo por esses recortes e pelas burocracias que enfrentamos para conseguir continuar nessa grande máquina de moer artistas que é a indústria musical. Eu só quero continuar gostando de fazer música”, desabafa. As suas inspirações vêm principalmente de mulheres indígenas mais velhas que “ensinam sobre outro tempo de colheita” e sobre “outros pensamentos anti-coloniais”: “Isso desdobra, vira letra, vira melodia. Assim vou caminhando”.

A partir de suas letras e de seu trabalho, Brisa Flow detalha como tenta “humanizar” sua existência. Com isso, entende que outras pessoas também se humanizam. “Quero ser uma pessoa livre e isso custa caro em um Brasil que ainda acredita em descobrimento e em tantos outros estereótipos. Estou viva, em constante mutação. Estar vivo é isso”, compartilha.

Ao explicar sobre a vertente do futurismo indígena, afirma que a expressão é, na verdade, um “deboche ancestral de brincar com o ‘futuro’ linear”. Em sua visão, vivemos um constante ciclo. O que está na Terra é circular, assim como o nosso amanhã. Tudo depende de hoje - e o hoje vira ontem muito rápido.

“Estamos no futuro e continuamos existindo mesmo com o genocídio. Trabalho e canto para continuarmos existindo para além de hoje. Talvez por isso eu seja uma referência. Quero que nossos filhos possam existir também, mas, sem terra, não tem água nem comigo. Sem comida e água não há energia. Sem energia, não há vida”, introduz.

Ela acrescenta: “As mudanças climáticas eram um tema do futuro ignorado por muitos líderes mundiais. Agora, estamos no futuro da ebulição climática. O amanhã será uma utopia se o ciclo de violência não for interrompido para dar lugar de protagonismo ao ciclo da vida. É isso que o movimento indígena alerta constantemente. É esse o futuro que tentamos preservar: a vida”.

Brisa Flow e o Ceará

Entre seus trabalhos, a artista também tem parceria com o cantor e compositor cearense Mateus Fazeno Rock na faixa “Indigno Love”, do álbum “Jesus Ñ Voltará” (2023). A música surgiu a partir de conversas “muito profundas” e é uma das letras favoritas de Brisa Flow. “Eu amo o Mateus. Construímos na pandemia uma relação muito bonita de parceria, acolhimento, quando ambos estávamos crescendo em nossas carreiras, mas sem entender muito onde tudo isso ia dar, sendo independentes e tentando sobreviver na arte”, revela.

Na estrada com a turnê “Abya Yala Em Trânsito”, em shows que mesclam música, ritual e resistência, Brisa Flow apresenta seu terceiro disco, “Janequeo”. Para ela, circular pela América Latina - ou “Abya Yala”, como prefere chamar - é sentimento de grande realização pessoal. Nesta sexta-feira, 16, e sábado, 17, se apresenta em La Paz, na Bolívia.

Em seguida, a turnê passa pela capital argentina Buenos Aires, com shows nos dias 21 e 23. “Minha semente está sendo espalhada, e assim como já vi muito plantio florescer por aí, sei que com essa turnê muita coisa legal vai brotar. Tive muitos desafios nesse momento, com bebê pequeno e questões de saúde, mas trancei bem esse caminho de volta”, relata.

Brisa Flow ressalta a “felicidade imensa” de conhecer muita gente capacitada em todas as áreas, e enfatiza Fortaleza como parte da sua “lista de lugares maravilhosos”: “Quero voltar sempre, pois faz parte dessas andanças. Ceará é terra indígena”.

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