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Pinacoteca do Ceará inaugura mostra que discute modos de constituir um museu público
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Pinacoteca do Ceará inaugura mostra que discute modos de constituir um museu público

Pinacoteca do Ceará inaugura exposição que discute modos de constituir um museu público a partir do conceito de vizinhança
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Foto: Jorge Silvestre/Divulgação Obra "Sem Título", de Ivoneide Góis, é exibida na exposição "Existências paralelas - acervo em (des)construção", na Pinacoteca do Ceará

Quase dois anos de pesquisa e viagens entre Fortaleza e o Cariri. Consultas a artistas, pesquisadores, instituições de arte particulares e públicas, galerias, mestres das artes, espaços de memória, museus comunitários e museus orgânicos. A reunião de 484 obras de 63 artistas cearenses. Uma das maiores exposições lançadas pelo museu.

É aberta na Pinacoteca do Ceará neste sábado, 17, a exposição “Existências paralelas - acervo em (des)construção”. Com quase 500 trabalhos de artistas cearenses, entre nomes de projeção local e nacional, contemporâneos e históricos, a nova mostra do equipamento cultural visa discutir os modos de constituir um museu público a partir do conceito de vizinhança.

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O intuito é convidar os visitantes a refletirem criticamente sobre a formação e a identidade de uma coleção pública que pode ir além da representação de um Estado, seu povo e seus artistas, evidenciando potencialidades, lacunas e memórias desse acervo.

Na programação de abertura, a Praça do Muriçoca, do bairro Moura Brasil e no entorno da Pinacoteca, recebe o bloco “A Turma do Mamão”, que conduz o cortejo em direção ao museu a partir das 17 horas. A solenidade de abertura, às 17h30min, é acompanhada de uma roda de samba com o grupo + Melanina.

Fazem parte da nova mostra pinturas, desenhos, gravuras, xilogravuras, documentos, esculturas, fotografias, técnicas mistas, tapeçarias, bordados e vídeos. Entre as produções apresentadas estão fotopinturas de Telma Saraiva, bordados e mandalas de Nice Firmeza, esculturas em madeira de Mestre Manoel Graciano, “máscaras” de cerâmica da Mestra Ciça, pinturas de Zé Tarcísio e obras de nomes como Leonilson e Julia Debasse.

Pinacoteca do Ceará

As obras de arte são divididas em cinco núcleos: Modos de produção e circulação; Moderno popular; Formas votivas e celebrações; Memórias territoriais e Miscelânea documental. A pesquisa geradora da exposição partiu do acervo e da missão de salvaguardar, pesquisar e difundir parte da coleção de arte do Governo do Estado.

Enquanto estiver em cartaz, a exposição deverá receber novas obras de diferentes artistas, bem como outros trabalhos poderão ser devolvidos aos seus locais de origem. A curadoria da mostra é assinada por Lisette Lagnado, José Eduardo Ferreira Santos e Yuri Firmeza. O processo curatorial foi compartilhado com pesquisadores e lideranças de territórios e comunidades de diferentes regiões do Ceará.

Participaram profissionais como Diêgo di Paula (Acervo Mucuripe), Paula Machado (Minimuseu Firmeza), Débora Soares e Ismael Gutemberg (Nupac - Nucleo de Patrimonio Cultural do Moura Brasil), Dona Toinha (Quilombo Água Preta, em Tururu) e Tércio Araripe (Grupo Uirapuru Orquestra de Barro, de Moita Redonda).

Segundo Lisette Lagnado, o objetivo inicial da curadoria foi tentar compreender a natureza do acervo da Pinacoteca. A partir disso, “interrogar as ausências (representatividade de gênero, além de marcadores sociais e étnicos) e olhar para outras espécies de ‘pinacotecas’ constituídas, formal ou informalmente”.

“Desde o início foi pensado estimular a relação do ‘museu’ com a vida cotidiana, algo que já acontece na programação da Pinacoteca, com as aulas de yoga e as oficinas. Mas era fundamental que as pessoas do entorno pudessem entrar e se reconhecer mais, dentro de um espaço cuja imponência e arquitetura intimidam e carregam características elitistas que, lastimavelmente, afastam possíveis usuários da Pinacoteca apesar da gratuidade oferecida.

Curadoria da mostra

De acordo com Yuri Firmeza, foi somente no contato direto com as obras que a exposição foi elaborada, não partindo de um “conceito guarda-chuva, pré-estabelecido”. “Tivemos um tempo generoso para nos debruçarmos no exercício do pensamento com e a partir das obras. As costuras entre as obras, as questões, os problemas que elas mobilizam, as relações que tecemos foram ao longo do tempo e do espraiamento da pesquisa”, compartilha.

Mas, afinal, como as obras selecionadas levam o público a refletir sobre o tema proposto pela exposição? Lisette aponta que a expressão “existências paralelas” traz nova dimensão para a ideia de apagamento denunciada por setores sociais sem representatividade em narrativas oficiais. Assim, o desejo é afirmar que essas vidas — periféricas, femininas, subalternizadas, por exemplo — sempre existiram.

O processo curatorial foi compartilhado com pesquisadores e lideranças de territórios e comunidades de diferentes regiões do Ceará. Para Yuri Firmeza, esse movimento é de grande importância, pois foi necessário para ampliar pesquisa e encontros para além da Capital. Conhecer o “ímpeto memorialista” de uma Dona Toinha, no Quilombo de Água Preta, em Tururu, e “escutar as histórias da fundação da Lira Nordestina pela voz do Mestre Stênio”, por exemplo, foram “inspirações arrebatadoras”.

Um dos núcleos da mostra é intitulado “Memórias Territoriais”, com fragmentos, artefatos históricos, objetos e fotografias de diversos territórios fundamentais para entender as artes do Ceará. Nele, há obras de Mundinha, Chico da Silva, cartazes de Descartes Gadelha e ceramistas de Moita Redonda.

“É um convite para dialogar sobre o que é um acervo, o que é uma pinacoteca, suas entranhas e vidas internas para conhecermos melhor”, explica o também curador José Eduardo Ferreira Santos.

Lisette ressalta homenagem ao escultor Efrain Almeida, falecido em setembro de 2024: “Trata-se de um expoente de rara síntese entre o popular e o contemporâneo, as formas do sagrado e o universo queer. Poder prestar esta homenagem ao Efrain, na Pinacoteca do Ceará, tem um valor mais que simbólico para restituir a importância de formas vernaculares do sertão e de centros religiosos que migram para fora sem que a crítica do Sudeste tenha conseguido ainda romper com suas perspectivas hegemônicas”.

Uma das artistas da exposição é Ivoneide Gois, com bordados que retratam fotos antigas do Poço da Draga. “Resolvi bordar para imortalizar essas obras”, revela. Um dos bordados é do Pavilhão Atlântico de Fortaleza, que antes de se tornar Pavilhão “era a casa das irmãzinhas, local de afeto para comunidade, onde tinha escolinha, coral e missas”. “Remete muito à memória da comunidade”, pontua.

Outro bordado é de famílias que moraram por quase 50 anos na ponte. Há também obra para representar o Sara Poço da Draga, evento mensal que completou uma década em 2025. Como aponta a artista, “é um momento de descontração para as senhoras do Poço da Draga”.

“Fico muito feliz em participar da exposição. Não esperava que isso fosse acontecer quando resolvi bordar. Para mim, é gratificante que muitas pessoas conheçam a história do Poço da Draga a partir dos bordados”, celebra.

Outro trabalho exibido na exposição é “O farol, a parede, o porto”, da artista visual, performer, videomaker e curadora Linga Acácio. A obra é um videoinstalação que discute a resistência por meio de exercícios de permanência em localidades de porto no litoral cearense, como Serviluz, Poço da Draga e Pecém.

“Através dos tempos, a história dessas localidades evidenciam a lógica de exploração e as transformações no entorno de uma região portuária. O perigo de viver se torna constante e é ativado quando me implico (e implico) nas diversas questões que envolve a ação de permanecer”, explica Linga Acácio.

Ela enfatiza a felicidade em participar da mostra e ressalta que “não se constrói autoestima sem entendermos de onde viemos e quais foram os passos que nos trouxeram até aqui”. Assim, defende a importância da exposição em refletir sobre a memória cearense. Além disso, ressalta o valor de uma iniciativa para evitar a invisibilidade de artistas.

“Quem circula volta, quem é retirada não. Agir sobre nosso histórico de retirância e escassez é tirar os artistas de uma situação de invisibilidade e precariedade, é garantir que os trabalhos possam agir em nossos territórios, contribuindo para as questões que me construíram enquanto sujeito. Que a Pinacoteca possa assumir esse papel de levar o pensamento cearense para longe, mas também trazer para perto e se construir em bases firmes”, compreende.

Programação de abertura

  • Com: Bloco "A Turma do Mamão" e Grupo "Mais Melanina"
  • Quando: sábado, 17, a partir das 16h30min
  • Onde: concentração na Praça do Muriçoca (Rua Padre Mororó, s/n - Moura Brasil) e cortejo até a Pinacoteca do Ceará (Rua 24 de Maio, 34 - Centro)
  • Gratuito, com acessibilidade em Libras

 

"Existências Paralelas - Acervo em (des)construção"

  • Quando: visitação de quarta-feira a sexta-feira, das 10h às 18 horas; sábado, das 12h às 20 horas; e domingo, das 10h às 17 horas. Até 17 de novembro
  • Onde: Pinacoteca do Ceará
  • Gratuito

 

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