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"Aldeota", clássico de Jáder de Carvalho, volta ao circuito editorial; leia análise
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"Aldeota", clássico de Jáder de Carvalho, volta ao circuito editorial; leia análise

| LITERATURA | "Aldeota", raro e clássico livro de Jáder de Carvalho, volta ao circuito editorial. No texto, a pesquisadora Juliana Diniz analisa a obra
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Livro
Foto: Reprodução/Instagram @editoraufc Livro "Aldeota", de Jáder de Carvalho, foi relançado pela Editora UFC

A primeira edição do romance "Aldeota" surpreendeu Fortaleza em 1963. Escrita pelo jornalista Jáder de Carvalho, a obra revelou rapidamente o potencial explosivo do estilo de seu autor e oferecia uma síntese literária que reunia denúncia política, observação antropológica e boa literatura. A ficção do autor é muito ágil, inventiva, e nos convida a acompanhar a formação de um personagem cativante, Chicó, desde sua infância no desamparo no Interior do Ceará até a ascensão social que o levou a ocupar um dos suntuosos palacetes da Aldeota dos anos 1960. Nesse caminho formativo, somos apresentados não só a cenários, mas a comportamentos, padrões culturais, expectativas de uma época, o trânsito difícil entre classes.

O seu autor é, antes de tudo, um observador atento. Por isso, entendemos que um dos personagens do romance é o próprio meio social, este meio que produz figuras como o arrivista que, para sobrevivência, aprende a ilicitude como caminho para o enriquecimento e para o prestígio tão vulgar que só o dinheiro acumulado ilicitamente é capaz de oferecer. No romance, lemos também uma crítica à feira das vaidades alimentada pelas elites econômicas que povoavam cidades provincianas, como era a Fortaleza de então.

Não é difícil de imaginar por que o livro se tornou uma produção tão controversa em uma cidade despreparada para a crítica fina. Tem-se notícia de que foi queimado na Praça do Ferreira, num arroubo de revolta, e que o artifício do autor de utilizar como exemplos de seus personagens figuras reais, bem conhecidas da época, provocou o choque e o ressentimento de muitos poderosos do estado. "Aldeota" incomodou porque era um bom romance: apresentava a uma sociedade um espelho realista, que a refletiu em suas contradições e hipocrisias.

Suas duas primeiras edições - a primeira em 1963 e a segunda, pelas Edições Demócrito Rocha, em 2003 - esgotaram rapidamente, se tornando exemplares de colecionador, vendidos a preço alto no mercado de livros usados. Essa dificuldade de acesso, temperada pelo desejo do livro, revela o quanto o romance permanece necessário, décadas depois de sua primeira publicação. Batista de Lima, que assina o prefácio da segunda edição, não hesita em afirmar, sem exageros, que "Aldeota" é um dos principais, senão o mais importante livro escrito na literatura cearense do século XX.

Ele é devolvido ao público em nova edição, amplamente revista e cuidadosamente preparada pela Editora UFC, lançada em abril na Bienal Internacional do Livro do Ceará. Com um projeto gráfico que dialoga com o enredo do livro, a obra é reapresentada em novo estudo introdutório assinado por Tiago Coutinho, que esmiúça a relevância literária e jornalística do romance, uma vez que Jáder de Carvalho nos dá boas pistas sobre os descaminhos morais de muitas figuras importantes da sociedade fortalezense da segunda metade do século XX.

No livro, acompanharemos uma saga migratória. Chicó cresce no sertão do Ceará, adulto antes de ser menino, a infância roubada, e chega a Fortaleza em busca de trabalho, de onde parte rumo aos seringais amazonenses, inspirado pelo desejo de enriquecimento proporcionado pela exploração da borracha. Ascende na hierarquia de um ambiente onde contrabando e violência fazem escola e torna à Fortaleza já pronto para se integrar a uma elite pouco preocupada em investigar a origem das fortunas que brilham pelos salões da cidade.

É nesse momento que entra em cena uma narradora exemplar, testemunha privilegiada e silenciosa: a esposa Catá, que nos revelará, em voz feminina e no formato de diário, os bastidores reservados das contravenções praticadas pelo marido e seus colegas de classe. A estrutura, construída no alicerce dessa bifurcação narrativa, nos oferece múltiplas perspectivas de análise, nos leva à intimidade dos fatos, expõe de forma interessante as contradições e complexidades humanas desses personagens tão bem construídos. Uma obra-prima da literatura que, até o presente, não recebeu a adequada atenção da crítica especializada.

Rotulado como romance panfletário, justamente por uma de suas qualidades - a confusão deliberada entre testemunho histórico e ficção - "Aldeota" acabou marginalizado pela crítica dedicada ao estudo do cânone literário cearense. A própria dificuldade de acesso ao livro revela essa dificuldade de lidar com a originalidade de uma obra tão múltipla.

O lançamento da nova edição se dará na quinta-feira, 22, às 17h30min, no Auditório da Reitoria da Universidade Federal do Ceará (UFC). Talvez, nesta Fortaleza de 2025, já tenhamos o amadurecimento crítico e político necessário para pensar, com Jáder de Carvalho, sobre nossas origens e sobre a formação social cearense. Afinal, nenhum canal é mais inspirador para essa reflexão do que a literatura, que nos oferece a profundidade, as cores e as verdades difíceis (e necessárias) que só a ficção pode proporcionar.

 

Julian Diniz, professora da UFC
Julian Diniz, professora da UFC

Juliana Diniz

Doutora em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e professora da Universidade Federal do Ceará (UFC). Além de colunista do O POVO, é editora do site bemdito.jor e vice-diretora da Editora UFC.

Lançamento do livro "Aldeota"

Quando: quinta-feira, 22, às 17h30min

Com participação dos professores Sarah Diva Ipiranga e Batista de Lima. Mediação de Juliana Diniz

Onde: Auditório da Reitoria da Universidade Federal do Ceará (Avenida da Universidade, 2853 - Benfica)

Valor do livro: R$ 85

Entrada gratuita

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