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O Agente Secreto: Kleber Mendonça Filho cria drama denso com ação e suspense
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O Agente Secreto: Kleber Mendonça Filho cria drama denso com ação e suspense

Na busca pela Palma de Ouro, o diretor Kleber Mendonça Filho cria drama denso com ação, suspense e até viagem no tempo
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Foto: VALERY HACHE / AFP Imagem do elenco de "O Agente Secreto" momentos antes da exibição em Cannes. Ao centro: o diretor Kleber Mendonça Filho e os atores Wagner Moura, Maria Fernanda Cândido e Gabriel Leone

"Não tem inteligência artificial nesse filme", respondeu Kleber Mendonça Filho na coletiva de imprensa de "O Agente Secreto" no 78º Festival de Cannes. Seu tom de humor tanto respondia sobre um animal de aparência irreverente que aparece na história, quanto ao fato de que seu novo filme é genuinamente brasileiro e artesanal.

Na tarde do último domingo, 18, o Brasil voltou ao centro da discussão de um jeito muito nosso. Na entrada da equipe do filme "O Agente Secreto" pelo tapete vermelho da Grand Theatre Lumiére, a maior sala do Festival de Cannes, um grupo de frevo se apresentou com empolgação para as câmeras do mundo inteiro. Reforçando uma grande sinergia no Nordeste brasileiro, o momento até rima com a festa que o elenco de "Motel Destino" fez no ano passado, quando o ator Iago Xavier dançou no mesmo tapete.

Os ânimos por aqui estavam aflorados não apenas entre os brasileiros, mas também em grande parte do público internacional presente porque foram poucos filmes da competição que realmente chamaram atenção durante a primeira semana de festival. Nas conversas de corredores, filas e salas, a sensação era de que "ainda não tínhamos assistido a Palma", em referência a Palma de Ouro, grande prêmio do festival francês.

"Eu queria desenvolver um projeto de análise histórica, fazer um filme de época com todo desafio técnico de recriar um tempo, não só de arquivos, mas também de lembranças muito pessoais minhas", disse Kleber aos jornalistas, revelando que o filme é fruto de um longo processo de criação.

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Essa dedicação é perceptível pela quantidade de referências que saltam na tela, de questões muito específicas da convivência urbana do Recife à personagens que existiram na sua vida pessoal, como o projecionista do Cine São Luiz. Isso sem falar nas referências cinematográficas, reunindo uma série de inspirações em cineastas internacionais e brasileiros. Na coletiva, reforçou o quanto pensou em Nelson Pereira dos Santos.

Ao fim da sessão de "O Agente Secreto", reações animadas surgiram pela imprensa destacando o vigor de uma obra que consegue ser atraente mesmo com um recorte tão regional. Situada no Recife dos anos 1970, o filme mergulha de forma profunda num passado reconstruído de forma sublime. Ao contrário dos filmes de época imóveis e moderados, Kleber foge dos porta-retratos para fazer os cenários nunca soarem apenas como planos de fundo - sequências como a da perseguição frenética no meio da feira ou a da camuflagem em meio ao Carnaval de rua, são exemplos elétricos desse tom.

Na estética da narrativa surpreende que este não esteja tão atrelado à dramaturgia das obras anteriores do diretor. Longe do barulho de "Bacurau", da jornada egóica de "Aquarius" e da frieza de "O Som ao Redor", "O Agente Secreto" prefere criar tensões a vozes baixas e imerso numa teia muito mais ampla de personagens. Embora Wagner Moura lidere o elenco, a trama renuncia à sua onipresença para que soe natural aquele grupo de "refugiados" que criam um laço de apoio.

Alice Carvalho, Isabél Zuaa e Robério Diogenes, principalmente, são as grandes revelações em cena - no caso de Robério, como um delegado cearense, há até um humor peculiar. "Você tem cara de policial", comenta rindo para um novo funcionário da repartição. Àquela altura, ele ainda não desconfia que Marcelo, na verdade, é Armando, um pesquisador perseguido por forças político-econômicas que está tentando fugir do Brasil em plena ditadura militar.

A primeira hora é tão quieta e contemplativa ao abordar a chegada desse fugitivo secreto que chega a assustar - Kleber estaria fazendo seu primeiro filme sem urgência? Mas ela está lá, acanhada, engatando a passos lentos. Perigosamente, o filme tanto demora muito para se revelar a audiência, quanto não tem pudor em esticar suas invenções. A participação de Udo Kier, a cômica sequência de horror ou até mesmo as viagens no tempo - nada disso permaneceria no corte final de um drama tradicional.

Kleber, porém, sabe fugir de alguns lugares-comuns para dar vida a uma trama tão inspirada por uma série de obras de ação policial, tribunal, suspense e drama - mas que é ao mesmo tempo tão brasileira. A riqueza dos detalhes cenográficos e da trama investigativa compõe a sensação de uma criação muito nova na filmografia pernambucana. Olha para a memória de uma cidade enquanto vê o presente de todo um país.

Em meio a celebração efusiva por aqui, inevitavelmente, alguns brasileiros começaram a falar em Palma de Ouro. Embora sua discussão soe muito direcionada, permeada de referências indetectáveis para públicos estrangeiros, a robustez de "O Agente Secreto" é universal. Independentemente de ter gostado ou não, acho difícil imaginar que alguém tenha saído daquela sala sem ter a certeza de que esse filme já nasceu como um grande acontecimento.

A cobertura especial do 78º Festival de Cinema de Cannes no O POVO segue até o dia 24 de maio, quando serão anunciados os filmes vencedores.

Roberio Diogenes na coletiva de imprensa de
Roberio Diogenes na coletiva de imprensa de "O Agente Secreto" no 78º Festival de Cinema de Cannes - 19.05.2025

O Ceará, mais uma vez, em Cannes

"Foi a primeira vez que eu me vi num longa-metragem e numa sala tão importante como a desse festival, em Cannes. Foi louco, surpreendentemente louco", comentou Geane Albuquerque na saída da coletiva de imprensa de "O Agente Secreto". No longa, a atriz cearense interpreta Elizângela, funcionária do centro de identificação no qual Armando (Wagner Moura) se esconde sob identidade falsa.

Sobre a experiência de produzir o filme, ela revela que Kleber Mendonça Filho dirige o elenco de forma cuidadosamente objetiva. "Ele sabe exatamente o que quer filmar. A decupagem, o ritmo, ele consegue materializar o imaginário dele de forma muito precisa e isso deixa os atores muito seguros".

Na pele de um delegado "fora da lei", Robério Diógenes ganha destaque por se aproximar de Armando sem fazer ideia de que ele é um pesquisador em fuga. Apesar dele ter uma função vilanesca, Robério dá ao personagem um traquejo cômico que é bastante familiar ao humor cearense.

"Quando escrevi esse roteiro o delegado era pernambucano, mas agora ele vai ser cearense, o Kleber me disse quando me selecionou", disse Robério.

"Quando vi que no roteiro meu personagem aparecia 140 vezes, eu me tremi todo", disse arrancando o riso dos jornalistas. "Eu passei dois dias para ler o roteiro porque achei uma responsabilidade imensa. O Kleber me confiou um filho dele, sem ter referências minhas, mas apenas por um vídeo de teste". Embora não tenha previsão de estreia no Brasil, espera-se que "O Agente Secreto" chegue no próximo semestre aos cinemas.

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