Cidadão Instigado, Os Belgas, Jumenta Parida, Perfume Azul, O Peso, Velouria e Alcalina. Nomes e épocas diferentes, mas conectadas por um fio comum: o reconhecimento de que, cada uma à sua maneira, contribuíram para o fortalecimento do rock em Fortaleza. Essas são somente algumas das bandas retratadas em um projeto iniciado há 12 anos.
É lançado nesta sexta-feira, 23, o livro “Fortaleza Sônica - 50 anos de rock em Fortaleza”. Resultado de pesquisa feita pelo músico e sociólogo George Frizzo, com revisão de Alinne Rodrigues, a obra reúne mais de 200 entrevistas com músicos, produtores, empresários e jornalistas diretamente envolvidos na cena rock da capital cearense.
O lançamento ocorre na loja Hifive Discos, com show da banda Velouria, liderada pelo produtor, guitarrista e cantor Régis Damasceno, cabeça do projeto Mr. Spaceman e integrante da banda Cidadão Instigado. O evento também conta com apresentação do produtor e DJ Dado Pinheiro, um dos criadores do Noise 3D Club.
Com mais de 900 páginas, “Fortaleza Sônica” cobre os feitos da cena entre a década de 1960 e os anos 2000. No trabalho, são relatadas histórias dos profissionais que formaram bandas responsáveis por “dominar” bares, casas de shows e festivais em Fortaleza. São mais de 100 fotos de grupos, além de capas de discos e cartazes de eventos que marcaram a cena.
A publicação ocorre em parceria com as editoras Monstra e Grind Ages e conta com o apoio do Governo do Estado do Ceará, por meio da Secretaria da Cultura do Ceará (Secult-CE), e do Ministério da Cultura, por meio da Lei Paulo Gustavo. Foram três “pilares”, como afirma George Frizzo, que o fizeram iniciar a produção do livro.
Um dos aspectos foram conversas com amigos e membros de outras bandas sobre a possibilidade de registrar de algum modo o que haviam passado na cena musical. Outro foi a nostalgia sentida quando morou por dois anos na Alemanha e lembrava do período em que tinha banda.
A última questão foi o desejo de escrever sobre a Insanity, banda que formou no início dos anos 1990 com Fabio Andrey (guitarra e vocal), Bruno Dead (bateria) e Alberto Lopes (guitarra). Na época, o grupo “teve repercussão bacana”, lançou discos e até abriu show para o Sepultura. Seria interessante, então, deixar isso registrado de algum modo.
“Mas pensei: não vou escrever um livro só sobre a Insanity, porque ninguém vai querer ler sobre a banda. Então, vou juntar todas as bandas de Fortaleza - ou quase todas, as principais. A partir daí, comecei a fazer pesquisas, entrevistas, uma pessoa me levava a outra… O primeiro capítulo retrata os anos 1960 e o livro segue a movimentação musical na Cidade”, revela.
A obra é montada a partir de recortes de jornais, revistas, trechos de sites, fanzines e livros, mas o material foi utilizado principalmente como base de repertório para as entrevistas realizadas por Frizzo. Nas conversas, relatos sobre as histórias de artistas que marcaram a cena do rock em Fortaleza.
Ao analisar o processo de evolução das bandas com o passar das décadas, percebe um cenário mais acessível para quem deseja começar o próprio grupo - ou consumir novas vertentes. Do metal ao pop rock, hoje as tribos de admiradores têm mais opções para mergulhar no rock.
“As bandas de metal, por exemplo, estão mais acessíveis, mais comunicativas. Antigamente, o pessoal do metal era mais recluso, mais fechado no nicho. Hoje, tem quem curte metal, rock alternativo e de repente outros estilos também - e está tudo certo”, informa.
George Frizzo acrescenta: “Hoje, também pelo fato da tecnologia, de nós termos Spotify, TikTok e Instagram, por exemplo, tudo isso se populariza mais rápido e fica mais acessível para todo mundo. É bacana, ao mesmo que torna o cenário mais competitivo, porque tem muita opção para escolher, mas se você atingiu o coração daquela pessoa, está tudo certo”.
Além do livro e de perfis no Facebook e no Instagram, o projeto “Fortaleza Sônica” virou newsletter, com informações sobre a obra literária e outros destaques do rock fortalezense. O livro reúne fotos de bandas e de capas de discos que foram importantes. “O livro é recheado de informações bacanas para conhecer o rock feito em Fortaleza e que respinga para os dias atuais. Muitos músicos continuam tocando ou acompanhando a movimentação”, reforça Frizzo.
Convidada para a revisão do livro, Alinne Rodrigues, jornalista e vocalista do grupo Telerama, pontua que o processo não foi somente de revisão ortográfica, mas também de “muita pesquisa para checar todos os nomes e ter um registro mais fiel possível das histórias e seus personagens”. A análise é de quem viveu intensamente a cena na Capital, fosse tocando ou frequentando casas de show.
Entre os detalhes que mais chamaram sua atenção sobre a cena do rock em Fortaleza ao longo dos anos cita pontos como o início do gênero na Capital. Como relata, as primeiras bandas, lideradas por músicos como Luisinho Magalhães, precisavam construir os próprios instrumentos e “usar baterias com peles de animal que encolhiam com a umidade”.
Nos anos 1970, relembra o Festival da Costa do Sol, na Tabuba, chamado de “Woodstock cearense” pelos entrevistados, com “roqueiros e hippes indo acampar na praia” durante os shows. Na década seguinte, ressalta o carinho pelo gênero do metal e por suas histórias. De 1990 em diante, curiosas são as histórias sobre Cidadão Instigado, Jonnata Doll e bastidores do indie.
“Todas as décadas enfrentaram os mesmos problemas: falta de estrutura, falta de palco, falta de grana, de público. Ao mesmo tempo, todas as bandas lutaram muito pra conseguir existir apesar disso tudo. É uma história de resistência e resiliência, na qual todo mundo se divertiu muito, mas também teve momentos de conflito, de perda. Tudo isso está no livro”, detalha Alinne.
Para a jornalista, o livro “funciona como um relato antropológico de 50 anos de rock, relacionando a criação musical aos costumes e cultura de cada década”. É possível aprender sobre os modos de se vestir, sobre as juventudes, a evolução da tecnologia de gravação, de registros fotográficos e a circulação musical.
“Há personagens, como o próprio Frizzo, o Ivan Ferraro e o Mocó, que entram na história adolescentes e até hoje continuam envolvidos com música de alguma maneira. O rock quase sempre é visto como um gênero marginal, mas também foram marginais o jazz, o blues, o samba. A música conta histórias, e que bom que a nossa agora está escrita também”, declara.
Números
Lançamento "Fortaleza Sônica"