Em 1907, um professor de química em Tóquio comia religiosamente todos os dias seu dashi, um caldo típico da culinária japonesa feito com alga kombu. Fascinado com o sabor carnoso da sopa, ele decidiu levar o caldo ao laboratório da Universidade Imperial de Tóquio, reduzindo o líquido até chegar ao ácido glutâmico, um aminoácido natural rico em glutamato. Naquele dia, Kikunae Ikeda inaugurava a descoberta do gosto umami, palavra em japonês que designa algo saboroso.
Definido como o quinto gosto básico do paladar humano, o umami é caracterizado pelo prolongamento do sabor na língua e aumento da salivação, gerando fisiologicamente a sensação de água na boca. Com um realce característico do sabor salgado, chefs e gastrônomos ao redor do mundo tentam descrever seu gosto valendo-se de comparações com o doce, amargo e azedo, mas comprovam que o sabor não deve ser descrito, e sim experienciado.
Apesar da descoberta de Ikeda, o umami só foi equiparado aos demais gostos básicos em 2002, quando se comprovou cientificamente que, nas papilas gustativas, existem receptores para captá-lo. Desde então, a busca pelo umami se difundiu amplamente para além da culinária asiática, e o sabor passou a ser reconhecido em alimentos como tomates maduros, queijos curados como o parmesão, no molho shoyu e na complexidade dos cogumelos shitake e shimeji.
Ao longo dos anos, a indústria alimentícia não fugiu do padrão e se prontificou a sintetizar de forma artificial o sabor, criando o glutamato monossódico, aditivo amplamente utilizado na culinária asiática.
Para Matheus Vieira, instrutor de gastronomia do Senac, a busca pelo umami se tornou tamanha que, apesar de não existirem estudos conclusivos sobre os benefícios ou malefícios do aditivo, a indústria aderiu ao seu consumo — e, junto dela, à premissa de que sentir o umami equivale a sentar à mesa com mais presença.
"Você ter conhecimento dos ingredientes que naturalmente trazem o sabor umami e com certeza melhora a experiência sensorial na hora de elaborar um prato. Essa busca pelo umami pode acontecer tanto pelo acréscimo do aditivo quanto pela utilização desses ingredientes", conta.
Com o avanço do fusionismo asiático, que mescla tradições orientais às técnicas ocidentais, o Comes & Bebes põe à mesa a busca pelo umami em Fortaleza.
Manur Izakaya
Com pais sul-coreanos e uma infância regada a comidas coreanas na efervescência de São Paulo, Rafael Kim se deparou com a escassez de opções de restaurantes originais ao chegar ao Ceará, em 2015.
Vendo uma oportunidade no ramo e munido da vontade de inovar, o já amante da culinária se dedicou, então, a estudar gastronomia, inaugurando o Manur Izakaya em outubro de 2024.
Para Rafael, o umami segue sendo difícil de descrever, mas fácil de reconhecer: um sabor profundo, prolongado e característico.
"Na culinária asiática, e principalmente na coreana, que é a base da nossa cozinha, o umami está presente em praticamente tudo", conta o chefe. Por trás do balcão central, onde acontece a fusão do Manur, três molhos ricos em glutamato natural ganham destaque. O tradicional molho de soja, o shoyu, que aparece no Four Season-don (R$ 46); o denjang, uma pasta de soja fermentada parecida com o missô japonês, que aparece no Park Yeosa (R$ 49); e o gochujang, uma pasta de pimenta fermentada com soja, que marca presença no requisitado Korea Ribs (R$ 40).
Kōfuku
Como toda boa ideia, o Kofuku nasceu de forma despretensiosa, ainda na pandemia. Arquiteto, Adriano Bastos tinha um canal no YouTube onde gravava receitas, mas sem possuir formação alguma em gastronomia.
Nessas experimentações, já sem opções de pratos em meio aos infinitos dias da quarentena, Adriano resolveu experimentar o lámen, a partir de uma receita da internet.
O sucesso foi tamanho que, ao lado de um grupo de amigos, o grupo começou a realizar entregas do prato, com a massa artesanal e o caldo que possibilitava a experiência japonesa em domicílio.
Observando um nicho no mercado, o Kofuku ganhou nome e dimensões físicas em outubro de 2022, sendo conhecido como ponto típico de lámen em Fortaleza.
Em seus pratos, o uso de insumos que evocam o umami vai desde o caldo utilizado nos lámens, que consiste em uma infusão da alga kombu, até iguarias como o katsuobushi, flocos da espécie peixe bonito que, após desidratados e fermentados, são considerados bombas do sabor.
"De certa forma, o umami é a alma da cozinha japonesa. Toda a escolha dos ingredientes é voltada para essa busca por esse sabor. E realmente, pra nós, ele se tornou um ponto de partida, que tentamos aplicar desde as entradas até em elementos dos nossos drinques", conta Adriano.
A Experiência
Ciente da origem asiática e científica do sabor umami, mas compreendendo seu papel de experimentação na gastronomia contemporânea, foi assim que o chefe Matheus Vieira criou, em julho de 2024, A Experiência.
O jantar, que segue os moldes da experiência sofisticada dos fine dinings, acontece na casa do chefe, com grupos de seis pessoas.
Formado em gastronomia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), o chef acumula anos de vivências como docente de gastronomia no ensino técnico profissionalizante e na educação superior.
A fim de conectar teoria à prática, o gastrônomo criou a experiência em oito tempos: pequenos canapés, entrada fria, entrada quente, dois principais, pré-sobremesa, sobremesa e o serviço de petit four como finalização.
Em todos os tempos, Matheus conta que a premissa é a mesma:
“Dentro da experiência sempre trago essa bagagem de aproximar o comensal da origem dos ingredientes, para valorização do ofício do cozinheiro e explicando um pouco das técnicas da gastronomia”, explica.
Como entrada, na última edição, Matheus apresentou o umami bomb: tomate-cereja marinado com katsuobushi, molho shoyu, saquê e finalizado com uma lâmina de bottarga, conhecida por muitos como o caviar brasileiro.
Com planos de realizar edições especiais em diferentes locais, os valores da Experiência giram em torno de R$ 400 e contam com uma harmonização de vinhos com quatro rótulos.