Um pai pecuarista, sete irmãos, o manejo com o gado e o dia a dia em uma fazenda no município de Aimorés, vila pacata no Vale do Rio Doce, em Minas Gerais. Esse foi o solo fértil em que Sebastião Ribeiro Salgado Júnior nasceu, em 1944, e cresceu até a adolescência, colhendo inspirações que futuramente lhe serviriam para fotografar os divergentes cenários de um Brasil profundo.
Aos 81 anos, o fotojornalista faleceu nesta sexta-feira, 23, vítima de uma leucemia grave, provocada por uma forma particular de malária, contraída na Indonésia, em 2010, segundo nota oficial da família.
Com mais de 1 milhão de fotos capturadas em 120 países, e um trabalho registrado em 400 exposições individuais e 13 livros fotográficos, a causa da morte de Salgado não deixa de ser reflexo de um ativista que não se poupou da exposição às dores do mundo.
Economista de formação e com anos de trabalho dedicados à Organização Internacional do Café, a fotografia apareceu para Sebastião como um hobby, quando, em uma viagem para Angola realizada na década de 1970, tomou de empréstimo a máquina Leica que era de sua esposa, Lélia Wanick, e sentiu um clique dentro de si.
Desde então, o mineiro foi responsável por levar imagens de localidades como Serra Pelada, Sertão Nordestino e Amazônia para compor o imaginário coletivo internacional sobre o que havia no Brasil.
Altamente ligados aos grupos que lutavam contra a ditadura militar no Brasil, o casal se exilou em Paris em 1969, onde Sebastião permaneceu pelo resto da vida e, com suas coletâneas documentais bem editadas, passou a preencher as estantes de diversas casas francesas. O fotógrafo, inclusive, foi o primeiro brasileiro a integrar a coleção Photo Poche, seleção editorial criteriosa que reúne nomes como Henri Cartier-Bresson, Robert Capa e Diane Arbus.
Para o fotógrafo Roberto Kennedy, o legado que Sebastião deixa, além de visual, resgata a humanidade de um país continental e desmistifica a imagem, por vezes estereotipada, que internacionalmente se concebe do Brasil. “Tive a chance de presenciar a emoção e o impacto de suas fotos em Madri, com a exposição 'Amazônia' no Centro Cultural La Villa. Como fotógrafo, um olho nas fotos e outro no público. Fiquei observando a reação do olhar estrangeiro a um Brasil profundo e desconhecido. Lágrimas, espanto, sorrisos largos… E o mais notório era o sentimento de que havia uma pergunta no ar: ‘O que fizemos com nossos ancestrais? O que fizemos com nosso mundo?’”, relembra.
Deixando o mundo com essa pergunta ainda ecoando, ao longo dos anos, Sebastião lutou para encontrar respostas por meio da fotografia, com um ativismo não só imagético, mas instrumentalizado em ações. Ao lado de Lélia, o mineiro fundou o Instituto Terra, empenhado em recuperar a vegetação original e promover o desenvolvimento sustentável na região do Vale do Rio Doce, onde cresceu.
Como traço característico, Sebastião desenvolveu uma fotografia embasada no preto e branco, que nem sempre obedecia às regras acadêmicas de enquadramento, luz e composição. Além da influência da fotografia documental clássica, o fotógrafo acreditava que o preto e branco se aproximava ao máximo da essência da imagem, retirando a distração das cores.
Crescido em uma geração influenciada pelas lentes de Salgado, o fotógrafo Tiago Santana relembra o seu contato com a obra do artista por meio da coletânea “Outras Américas”, de 1998, que lhe serviu como referência para a produção de seu livro “Benditos”. “Me identifiquei muito nesse uso do preto e branco em que, abstendo a cor, você reforça os gestos, os rostos e a riqueza desses lugares por onde ele passava. O preto e branco aumentam a dramaticidade e a concentração no que interessa, e isso Sebastião fez com um brilhantismo e um cuidado estético muito grande”, pontua.
Como hábito, Sebastião desenvolveu, ao longo dos anos, uma lógica subversiva à produção de imagens em grande escala instaurada no final do século XX, provando que a fotografia feita com presença total era capaz de perdurar por anos. Para a série fotográfica “Êxodos”, por exemplo, em prol de compreender a passagem do tempo para aqueles que atravessam movimentos migratórios em massa, Salgado levou cerca de seis anos para a produção.
“Num mundo cada vez mais imediatista, em que se busca resultados rápidos, ele fazia o oposto: desenvolvia projetos de longa duração, com imersão profunda, dedicação intensa, que levavam anos para serem concluídos. Isso é um exemplo do que deve ser um trabalho comprometido com seu tempo, com a verdade e com a complexidade do mundo que vivemos”, argumenta Tiago.
Nos últimos anos de vida, cansado da dureza das tragédias humanas, Salgado sentiu necessidade de voltar o olhar para a beleza e o equilíbrio da natureza. O resultado foi "Gênesis", projeto que mostra regiões intocadas do planeta.
Sebastião Salgado deixa dois filhos, Juliano e Rodrigo Salgado, que, em 2014, produziram “O Sal da Terra”, produção audiovisual indicada ao Oscar de Melhor Documentário de Longa-Metragem e que retrata a humanidade de quem melhor fotografou o Brasil.