Um número reduzido de pessoas, detalhes que te lembram a casa, comida autoral e um ambiente íntimo e acolhedor. Partindo de premissas como essas, é assim que o casal Tarcísio Maia e Ricardo Ribeiro toca o antirrestaurante Merendeiro, na Praia de Iracema.
Ocupando o número 104 da rua Tigipió, o estabelecimento se propõe a subverter a lógica comercial e quebrar a formalidade que, por vezes, é imposta ao ato de sentar-se à mesa.
Com panos de prato espalhados pela casa, que lembram àqueles que entram que "a pressa é inimiga da refeição", o casal incorpora referências nortistas a insumos locais, provando que é possível o encontro do rio com o mar na gastronomia.
Fugindo dos estabelecimentos afetivos nos quais o afeto recai sobre o bolso, a ideia de Tarcísio e Ricardo é que, de fato, o Merendeiro seja acessível, com um cardápio rotativo que apresenta três opções de pratos pelo valor fixo de R$ 29,90.
Ao O POVO, o cozinheiro Tarcísio Maia conta sobre a arte de temperar com calma e alma, e revela como uma casa laranja pode se tornar ponto de encontro nas vielas da Praia de Iracema.
O POVO - Como a gastronomia atravessa a sua história?
Tarcísio Maia - A minha história com a gastronomia veio como uma aventura muito doméstica — no sentido de sempre estar nos bastidores, com pessoas com quem eu já tinha uma certa intimidade na cozinha.
Trabalhei durante 20 anos da minha vida com pesquisa de mercado em Manaus, até que, em 2012, surgiu um desejo de mudar essa rota. Foi aquela coisa de um chamado que, às vezes, não se compreende muito bem, mas sente-se que há uma necessidade de mudança.
Eu queria fazer algo que realmente me trouxesse prazer, um deleite propriamente dito. Foi aí que tudo começou, quando abrimos uma lanchonete na casa da minha mãe.
A minha mãe tem lá seus pratos, mas nunca foi aquela mulher da cozinha. Mas a minha cozinha é uma cozinha de alma feminina, porque fui marcado pelas minhas ex-sogras, uma amazonense e uma mineira, que cozinhavam divinamente bem.
OP- Como surgiu a ideia do Merendeiro?
Tarcísio - Da lanchonete na garagem da casa da minha mãe, em Manaus, o negócio foi crescendo e tínhamos esse sonho de rodar a cidade cozinhando, com um food truck. Minha mãe teve oito filhos, meu nome tem oito letras, morávamos em uma rua chamada Oito e sempre gostei dessa coisa do número que remete ao infinito.
Foi aí que pensamos na brincadeira com o espanhol, e Saborocho ficou sendo nosso espaço físico itinerante por uns três anos. Mas sempre trabalhamos com a ideia de ciclo: começar, desenvolver e saber a hora de sair de cena.
Saber que aquilo já foi entregue, que outras coisas podem vir, e não ficar preso a amarras. Sabíamos que algo viria depois. E, nesse caso, veio o Merendeiro.
Somos muito felizes com ele. Acho que representa muito — traz aquela memória da cantina da escola, do cheirinho de comida na hora do intervalo. Lembra também o fim de tarde, quando alguém chamava para uma merenda em sua casa. Remete a esse desejo de comer algo que você gosta muito, que te acolhe.
OP- Como conheceram o conceito de antirrestaurante?
Tarcísio - Fizemos uma viagem a Buenos Aires há alguns anos e vimos esse modelo de estabelecimentos de pessoas que recebem em suas próprias casas. É um lugar pequeno, que recebe poucas pessoas, e acho isso incrível, porque acaba sendo uma experiência única, independentemente de onde você esteja.
Funcionamos apenas sob reserva e com cardápio rotativo e limitado. Para além da organização, as reservas nos permitem saber quem virá naquele dia, e o barato está em saber para quem você está cozinhando.
Vai-se criando um vínculo com as pessoas, e isso não tem preço. E, por meio das reservas, quem vem não precisa comer com pressa.
A rotatividade dos pratos, além de proporcionar uma variedade por não servir sempre o mesmo, vem muito também do fato de acompanharmos tudo de perto, inclusive a sazonalidade dos ingredientes.
OP- Por que resolveram vir para Fortaleza? Qual a relação da história de vocês com a Praia de Iracema?
Tarcísio - Eu nasci em Icapuí, mas fui para o Amazonas com sete anos, com minha família. Costumo dizer que o rio sempre corre para o mar, e em 2021 veio a vontade de me reconectar com essa parte cearense.
Começamos a cozinhar em Fortaleza em parceria com uma amiga, e daí surgiu o projeto Varandinha Odara, já na Praia de Iracema. Já era nesse esquema de um valor fechado para os pratos, e as pessoas começaram a vir, nos conhecer, e foi muito interessante para começarmos a criar esses vínculos com as pessoas do bairro.
Com as dimensões, tivemos que mudar para a Casa Azul, uma casinha linda que ficava na Tabajaras, em 2022. Passamos dois anos por lá, e foi quando realmente o Merendeiro começou a se popularizar. E, por fim, justamente porque aquela casa já ficava pequena, mudamos para nosso cantinho atual.