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Escritora Kinaya Black fala sobre ficção especulativa de autoria negra
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Escritora Kinaya Black fala sobre ficção especulativa de autoria negra

Apaixonada por histórias de amor, quixadaense Kinaya Black fala sobre escrita e ficção especulativa de autoria negra
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Kinaya Black coordenou o eixo de juventudes na XV Bienal do Livro do Ceará (Foto: Gabriel Sousa/Divulgação)
Foto: Gabriel Sousa/Divulgação Kinaya Black coordenou o eixo de juventudes na XV Bienal do Livro do Ceará

Desde criança, Kinaya Black, pseudônimo de Gisele Sousa, sabia que se tornaria escritora. A quixadaense de 29 anos já costumava escrever cordel e se divertir com as palavras. Fingir ser autora de livros era uma das profissões envolvidas nas brincadeiras de infância vivenciadas ao lado de seus sobrinhos, que têm idades próximas às dela. "Sempre soube que queria contar histórias", afirma.

Em conversa com o Vida&Arte, durante a XV Bienal do Livro do Ceará, realizada em abril último, a autora contou que, apesar da certeza precoce, obteve sua formação na área de tecnologia da informação durante o ensino médio. Na faculdade, foi onde pôde se dedicar às palavras que tanto desejava, ingressando no curso Letras - Inglês na Universidade Estadual do Ceará (Uece).

Ainda na graduação, foi incentivada a publicar sua primeira obra, "Versos livres, como nós", em 2019. A obra surgiu de um projeto de poemas que abordam a relação de Kinaya com sua negritude.

Parte da produção de Kinaya está disponivel no Tumblr, plataforma que a autora usa "com muito carinho". Foi na poesia que ela começou a expandir os horizontes literários. O tema dos escritos, quer seja em prosa ou nos versos, permanece o mesmo: o amor. "Isso pode parecer inesperado, mas todas as minhas histórias são, de alguma forma, histórias de amor", revela a autora de "Eu conheço Uzomi".

No livro, vemos Hadassa, uma jovem quixadaense que vive em um futuro distópico e teve seu namorado, Uzomi, sequestrado. O conto "Memória Cheia", a ser publicado, também traz o encontro afetivo entre duas pessoas. "Mesmo que se trate de ficção científica, são histórias profundamente humanas", argumenta a mestra em Letras pela Universidade Federal do Ceará (UFC).

Falar sobre amor para Kinaya, uma mulher negra, é fundamental para propor perspectivas sensíveis e afetuosas. "Escrever sobre amor é essencial para nós, pessoas negras, porque historicamente tivemos nossos laços afetivos destruídos pela escravidão", pontua.

"É preciso fortalecer os vínculos dentro da comunidade negra. Escrever sobre amor é uma forma de reconstruir isso. É resistência, é cura, é construção de futuro", continua a artista, que se viu inspirada pelo amor ao reparar que estava cercada dele através de suas relações familiares.

"Cresci no interior, com exemplos fortes de relações duradouras: meus avós estão juntos até hoje, meus pais adotivos ficaram juntos até a velhice. Isso moldou muito minha visão de amor", revela a autora, que nasceu e cresceu em Quixadá e hoje mora em Quixeramobim. O preterimento, questão comum a muitas mulheres negras, foi outro ponto que instigou Kinaya a falar amor. "Se eu não vivia o amor na realidade, eu o sonhava".

Então, as possibilidades oferecidas pela ficção especulativa pareceram perfeitas para reimaginar afetos durante o caos. "Como a gente é muito comprimido, muito limitado socialmente, quando encontra um espaço onde pode criar com liberdade, a gente vai fazer isso. E vai fazer bem", argumenta a escritora, que também fundou o Clube do Livro da Desculpa, em Quixeramobim, para "viver a cidade por meio da literatura".

"Eu costumo dizer que eu escrevo ficção especulativa preta. Ficção especulativa porque eu flerto com ficção científica, com fantasia, com horror, com realismo mágico, e aí como todos esses gêneros têm esse caráter especulativo, então eu costumo chamar dessa forma".

Trazer a negritude em suas histórias é o modo de Kinaya não só demarcar sua identidade racial, mas também diferenciar-se em meio à predominância da hegemonia branca na literatura. "E, com o tempo, fui descobrindo o quanto isso poderia ser potente, assim, na minha vida, né? Potente como um lugar de expressão mesmo, e também como um lugar de identidade", salienta a artista, que também se aventura no afrofuturismo.

"É a minha vivência racial que atravessa essas histórias. Então, geralmente, elas são protagonizadas por personagens negras, por histórias negras, e a questão racial acaba sendo um elemento muito importante, ainda que ele não esteja sempre em primeiro plano", completa.

Para ela, imaginar universos a partir do "ponto de vista preto" pode ser algo "revolucionário". "Historicamente, pessoas negras foram privadas do direito de sonhar, do direito de imaginar, do direito de pensar o futuro", explica a quixadaense. A escritora salienta que é potente criar mundos onde o futuro é igualitário, justo e plural, com suas diversas formas e jeitos de amar. "Acredito profundamente que o amor precisa ser reimaginado por nós, e através de nós".

 

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