"A arte consola, nos tira da solidão, nos leva a socializar", assim define Lourdes Linhares, 72 anos, conhecida por todos como Lourdinha. A aposentada verbaliza o que ela e tantos outros idosos que experienciam atividades culturais sentem: a vitalidade que o consumo de arte traz.
No entanto, essa ainda é uma realidade de poucos idosos em Fortaleza. Segundo a pesquisa Cultura nas Capitais, conduzida pela consultoria JLeiva Cultura & Esporte, a média geral de acesso às atividades entre o público maior de 60 anos na Cidade é consideravelmente menor na comparação com o mesmo público no contexto nacional e ao público geral de fortalezenses.
O acesso ao teatro no último ano, por exemplo, foi tido por 9% dos idosos de Fortaleza, enquanto a média de consumo desta idade no Brasil foi de 18% e de 19% da população geral na capital cearense. Da mesma forma acontece com as visitas a locais históricos, quesito acessado por 17% da população com mais de 60 anos em Fortaleza, número menor quando comparado ao cenário nacional desse público (33%) e com os fortalezenses como um todo (34%).
Já no caso das festas populares - como o São João e o Carnaval - houve presença de 18% de idosos de Fortaleza no último ano; 24% no contexto nacional desse público e 32% da população geral da Cidade. Em resumo, ainda é muito baixa a frequência de idosos em atividades culturais na capital cearense.
Esse resultado é preocupante quando avaliados os benefícios que o estímulo cultural traz ao corpo humano. A médica neurologista Gabriela Rebouças aponta que atividades desse gênero são fundamentais para manter a cabeça ativa.
"O estímulo cognitivo é essencial. E a arte contribui muito para isso, porque ela ativa a imaginação, a memória, a atenção... A arte tem várias formas — dança, pintura, teatro — e todas elas promovem interação social e envolvem diferentes áreas do cérebro", explica.
Neirimar Benevides, 71 anos, é uma das "testemunhas" da arte para a melhor idade. Ela integra semanalmente a programação da Pincelê, iniciativa privada que reúne pessoas para pintar quadros e objetos em diferentes espaços de Fortaleza. "Comecei por brincadeira e agora estou envolvida em algo que não quero mais deixar, porque é muito bacana", afirma.
Ela conta que essas atividades lhe fazem uma pessoa mais feliz: "É um momento de convivência, de aproximação com outras pessoas. Isso ajuda muito no nosso bem-estar. Também nos ajuda a lidar com a solidão e até mesmo com enfermidades".
"Exatamente. Às vezes a rotina fica monótona. E essas atividades ajudam a gente a crescer, desenvolver a mente, se sentir viva novamente", finaliza.
Envelhecer bem
A música que nomeia essa reportagem é uma associação que veio durante a conversa com Lourdinha Linhares, que se apresentou do seguinte modo: "Estou aqui hoje para mostrar que nós, na flor da idade, somos gente e gostamos de viver".
A aposentada é formada em Pedagogia e em Turismo e se declara uma entusiasta da cultura nordestina. "Gosto de tudo que me dá um retorno cultural. Minha casa reflete isso. Meu sobrinho diz que sou consumista, e minhas irmãs brincam que trago "lixo" para casa — porque muitas pessoas ainda têm uma visão preconceituosa da cultura popular. Mas isso está mudando. Trago chapéu, sanfona, broches, brincos… Tudo que for da cultura, eu gosto", relata.
"Porque o idoso, ao sair de casa, busca socialização. Muitos vivem isolados, cuidando de netos, de parentes doentes... Então, esses momentos permitem que eles desenvolvam a criatividade e o bem-estar. Isso inclusive previne doenças mentais. A socialização é fundamental", argumenta Lourdinha, a qual é líder de grupo de idosos no seu bairro, incentivando atividades culturais.
Em uma extensa conversa, ela fala com prazer sobre sua paixão pelo tecido de chita, pelo turismo cultural e pelos passeios no Centro de Fortaleza. De segunda-feira a sexta-feira, ela se organiza em programações fora de casa.
"Não fiquem sozinhos: se for para fazer crochê, que seja em grupo! A socialização é o segredo da qualidade de vida", indica a aposentada para outros idosos.
Lourdes carrega uma personalidade expansiva, com uma "pegada cultural" e tom crítico ao que defende. Durante a sessão de fotos, que aconteceram no Complexo Cultural Estação das Artes, no Centro, ela ofereceu um adereço e uma peça de roupa a cada pessoa envolvida na produção, para que o momento se tornasse uma verdadeira imersão cultural.
Apesar de ter concordado com o local dos registros, ela pontuou que não é uma árdua frequentadora daquele equipamento, pois não considera que os shows que lá acontecem são acessíveis aos idosos. Dessa forma, ela fez questão de comunicar aos funcionários da Estação suas sugestões de programações no local. A Estação das Artes, em contato com O POVO, informou que há programções específicas para o público idoso (ver quadro).
Mesmo assim, ela se mantém otimista e comemora a existência daquele equipamento cultural e das atividades que aconteciam no dia da realização das fotografias. "A arte nos conecta com o mundo, com os outros, com nós mesmos. A arte nos alegra, nos rejuvenesce e nos torna mais elegantes por dentro e por fora", finaliza.
Lar Torres de Melo
Reconhecendo o poder que a arte e a sociabilidade têm, a instituição de assistência social a idosos "Lar Torres de Melo" promove diariamente atividades culturais e de lazer para o público residente. Esse acesso fez com que muitas das pessoas que lá residem tivessem uma nova perspectiva de vida.
Um dos que não perdem nenhuma oportunidade de manter a mente ativa é Antônio Pereira, 77 anos. Chamado pelos amigos de Nena, ele conta - em conversa realizada durante visita da equipe do O POVO na instituição - que está sempre de olho em novas programações. Entre as ações, sua favorita é a dança. "Gosto muito! Sou forrozeiro, canto forró, danço forró. Canto brega também, canto de tudo um pouco", comemora.
Pereira casou na semana em que a entrevista foi feita, no fim de maio, com Maria do Socorro, 78 anos, também residente da instituição. A festa teve direito à música, realizada por ele com canções de Waldick Soriano.
Na conversa, ele demonstra seu interesse pela música também quando fala sobre quadrilhas juninas e sobre uma curiosa vontade: "Sempre dizia pro meu irmão que, quando eu morresse, queria que fosse ao som de uma banda de forró".
"E o que respondia?", perguntei a Antônio, que rebateu: "Ele dizia que não entendia isso, porque se fosse ele, queria era Roberto Carlos. Cada cabeça, um pensamento, né?".
Próximo a ele, numa mesa de pinturas, estava Francisco Nilton, 79 anos, que conta se sentir "mais novo do que antigamente" (antes de entrar na instituição). "Desde que cheguei aqui, estou me sentindo melhor, mais criativo e mais animado", destaca.
Logo mais, chegaram Zacarias Batista, 74 anos, e Fátima Guimarães, 68 anos, para a mesa de pintura de quadros. Também forrozeiro, Zacarias fala sobre sua recente descoberta: o gosto pelo teatro. "Fiz várias coisas, fiz a dança dos Menudos. No São João, atuei como delegado. Na Páscoa, participei da encenação da Paixão de Cristo — fiz o papel do rei Herodes. Já fiz também o Pilates", relata.
Já Fátima dispara que sua arte é o rock. "Eu sou do rock! Eu queria até ser a Rita Lee na próxima encarnação", brinca a idosa de cabelos vermelhos. Elogiando as tatuagens e piercings do repórter fotográfico Fábio Lima, ela declara todo seu amor pela música popular brasileira.
"Todo dia, no meu celularzinho, eu escuto música. Isso me acompanha sempre", ela afirma, pouco depois de cantarolar trechos de Rita Lee como "Mania de Você", "Doce Vampiro", "Lança Perfume". A sua favorita, no entanto, é a canção "Erva venenosa": "Dá vontade de sair cantando por aí".
Outra artista que ocupa a sala de pintura é Tiana da Silva, 106 anos. Lúcida, ela fala sobre seu gosto por cores, especialmente o vermelho - o que é refletido em suas vestes, maquiagem e acessórios. "Eu sempre gostei de me cuidar", ela relata, também compartilhando seus interesses por eventos em que ela pode dançar ao som de forró e samba.
Para curtir e passear
Como mencionado pelos idosos desta reportagem, um dos grandes desafios a serem superados na “terceira idade” é o sentimento de solidão. Segundo pesquisa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) publicada na revista científica “Cadernos de Saúde Pública”, são quase 17% dos idosos que já relataram “sempre sentir solidão”, e 31,7% disseram “se sentir sozinhos às vezes”.
Nesse sentido, as atividades culturais em grupos parecem ser o melhor remédio — assim indica a entrevistada Lourdinha Linhares. A aposentada costuma visitar com seus amigos os equipamentos culturais da cidade, que costumam oferecer atividades adaptadas estrutural e fisicamente para idosos.
Conforme divulgação da Secretaria de Cultura do Ceará (Secult), são diversas as atividades gratuitas e espaços culturais da cidade que podem ser visitados adequadamente para pessoas 60+ com limitações físicas ou sonoras. É o caso, por exemplo, do Theatro José de Alencar, que oferece visitas mediadas gratuitas para o público 60+ nos horários de 9, 11, 14 e 16 horas.
Já a programação “Trajetória de Mestre” acontece no equipamento para preservar as manifestações tradicionais populares do Ceará e reúne mestres e coletividades da Cultura. As ações são divulgadas nas mídias sociais do teatro, e vão desde apresentações das artes cênicas, musicais, ações formativas ou rodas de conversas.
Na Estação das Artes, acontece o programa “Baila Comigo”, que se inspira nas danças de salão e voltado para a dança em todas as idades, mas com foco nas pessoas idosas da comunidade Moura Brasil. A atividade é realizada mensalmente, sempre na primeira sexta-feira do mês, com bandas de forró pé-de-serra.
Ainda no Centro de Fortaleza, há o Museu Ferroviário Estação João Felipe, que integra o Complexo Cultural Estação das Artes e sedia atividades pautadas na promoção de saúde mental e inclusão social da pessoa idosa, estimulando um envelhecimento ativo.
Assim, semanalmente, às quartas-feiras, às 14 horas, o museu promove rodas de conversa para preservar e compartilhar a memória ferroviária do Ceará, por meio dos relatos de ex-ferroviários da extinta Rede Ferroviária Federal.
No caso do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, na Praia de Iracema, há muito o que explorar também. No Planetário Rubens de Azevedo, há sessões especiais de quinta a domingo, com grupos de idosos já acostumados a visitar o espaço.
O Museu da Cultura Cearense (MCC) e o Museu de Arte Contemporânea do Ceará (MAC-CE) também são espaços que recebem frequentemente grupos de pessoas idosas para atividades de mediação educativa e de formação, a partir das exposições em cartaz. As ações promovem reflexões e o fortalecimento de vínculos com a arte e a cultura.
Na regional 5 da Capital, o Centro Cultural Bom Jardim atua como um importante espaço de acesso cultural a todas as idades. Projetos como “Café com as artesãs”, “Mulheres Criativas” e o Grupo Lonart atuam frequentemente na programação e ajudam principalmente os idosos com conhecimento de arte e economia criativa. As atividades são divulgadas nas mídias sociais e no site do equipamento.
Outro importante ponto de encontro e cultura para o público 60+ em Fortaleza é a Biblioteca Pública Estadual do Ceará (Bece), que mensalmente faz visitas Mediadas com idosos e promove quinzenalmente o “Clube de Leitura Meu Tempo é Agora”, em que os participantes debatem os temas “O que você está lendo agora?” e “Qual um livro marcante para você?”.
De volta ao Centro, está a Pinacoteca do Ceará, sempre com duas ou três exposições disponíveis para visita e com abertura para agendar visita em grupo. Lá também acontecem várias oficinas, como confecção de bonecas de pano, desenhos autobiográficos e escrita criativa. O museu tem infraestrutura adequada para receber pessoas com mobilidade reduzida, incluindo os idosos que estão neste grupo.
Há ainda o tradicional Cineteatro São Luiz, que recebe pessoas idosas e as coloca como artistas protagonistas em cena, em temas de espetáculos, shows e filmes, tanto em eventos gratuitos quanto pagos. Mensalmente, as atividades são divulgadas no site do equipamento e na fachada do local.
Todos os equipamentos culturais citados oferecem atividades gratuitas e estruturalmente acessíveis para pessoas idosas com necessidades especiais de deslocamento.
Cultura nas Capitais
Os dados da pesquisa Cultura nas Capitais avaliam 19.500 entrevistas, coletadas entre fevereiro e maio de 2024, com pessoas maiores de 16 anos. Os resultados mais recentes foram divulgados em evento realizado na manhã da quinta-feira, 5 de maio, na Biblioteca Pública Estadual do Ceará, com participação de gestores e agentes do segmento. A pesquisa é conduzida pela consultoria JLeiva Cultura & Esport.
Confira a pesquisa completa em culturanascapitais.com.br