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Quadrilha junina de Fortaleza une arte e resistência para enfrentar desafios
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Quadrilha junina de Fortaleza une arte e resistência para enfrentar desafios

Mais que dança, uma missão: Paixão Nordestina vive o São João por quase três décadas; conheça alguns dos brincantes
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Quadrilha Paixão Nordestina reafirma força no cenário nordestino (Foto: Felipe de Sousa/ Divulgação)
Foto: Felipe de Sousa/ Divulgação Quadrilha Paixão Nordestina reafirma força no cenário nordestino

Junho chega como um chamado no coração do povo nordestino. O céu se enfeita com bandeirinhas, o cheiro de milho e canjica se espalha pelas ruas, e o som da sanfona marca o compasso das memórias que passam de geração em geração.

No Nordeste, o São João é mais do que uma festa, é um sentimento coletivo. É quando a cultura popular toma o centro da cena com cores, suor e alma. No meio dessa euforia junina, há grupos que não somente dançam: eles contam histórias, emocionam e transformam vidas. É o caso da quadrilha junina Paixão Nordestina, de Fortaleza, que há mais de duas décadas mistura arte, tradição e resistência num espetáculo que vai muito além da quadra.

"A Paixão nasceu em 1998, no bairro Vila Manoel Sátiro, com um grupo de jovens que sonhava em criar algo próprio. Queríamos uma quadrilha com identidade, ousadia e criatividade", lembra Erbinio Alves Rodrigues, presidente e um dos fundadores do grupo.

"Eu, Milton Júnior, Eugênio Silva, Márcio Farias e Parecia Barroso decidimos que era hora de fazer diferente", complementa. O nome do grupo já revela a alma do projeto: "Paixão Nordestina é exatamente isso: a expressão do nosso amor pelo São João e pela nossa cultura. Cada tema que escolhemos parte desse sentimento", explica Erbinio.

Em 2025, por exemplo, o grupo mergulha nas mitologias maranhenses com o enredo "Uma Paixão na Terra da Encantaria'". A quadrilha é reconhecida por sua identidade ousada, que mistura teatro, dança, música e estética em um espetáculo contínuo.

"Pensamos o show em atos, como uma peça de teatro. Tudo é interligado, sem pausas. Os figurinos seguem uma linha regional, mas são pensados como alta costura temática. A gente une tradição e moda", destaca o presidente.

Ao longo da trajetória, o grupo coleciona conquistas de destaque no cenário regional e nacional: é campeã brasileira, tetracampeã cearense, bicampeã do Arraiá do Ceará, campeã do Ceará Junino, tetracampeã de Mossoró Cidade Junina e vice-campeã do concurso da Globo Nordeste.

Quadrilha prepara espetáculo com cronograma intenso

Hoje, mais de 200 pessoas fazem parte da quadrilha — entre direção, músicos, figurinistas, dançarinos e atores. Mas o brilho do palco começa muito antes da temporada junina.

"Os ensaios começam no final de janeiro e vão até julho. Temos um cronograma intenso, de quinta a domingo, incluindo feriados". Apesar de todo o prestígio, a estrutura ainda enfrenta desafios logísticos e financeiros. A estreia do espetáculo deste ano, por exemplo, está marcada para domingo, 8, mas ainda não há confirmação do local da apresentação. "Estamos em diálogo com a Prefeitura de Fortaleza. Houve um impasse, e estamos buscando uma solução para garantir o espaço adequado", pontua Erbinio.

A estrutura é profissional, mas o financiamento segue como o maior obstáculo. "Contamos com alguns editais do Estado e do Município, mas boa parte do espetáculo é sustentada pelos próprios brincantes com rifas, eventos, doações. Eles são nossos maiores patrocinadores", elabora.

Mesmo diante das complexidades, o grupo mantém vivo o compromisso com a formação artística e social. "Temos oficinas de moda, maquiagem, teatro. A cada ano, quando o tema é escolhido, formamos nossos atores com base em pesquisa, laboratório e orientação estética. A quadrilha também é espaço de aprendizagem", assegura o presidente. Ele também defende a diversidade como um dos pilares do grupo. "Temos uma presença forte da comunidade LGBTQIA — tanto na criação quanto no palco. Damas trans, gays, lésbicas... a arte acolhe, e a quadrilha é reflexo disso".

Para Erbinio, as quadrilhas não são apenas entretenimento, são instrumentos de transformação social e de construção cidadã. "São resistência cultural e política. Ainda existe preconceito com quem dança quadrilha — como se fosse coisa de desocupado. Mas a verdade é que temos desempregados e doutores no mesmo chão, compartilhando o mesmo sonho", enfatiza.

 

Dançar ao som da zabumba

Quem vê o brilho das roupas e a precisão dos passos talvez não imagine tudo que pulsa por trás de cada ensaio, cada batida de zabumba. Mas os brincantes sabem: é ali que eles encontram identidade.

O maquiador e dançarino Henrique Santos, 31, interpreta o noivo e o personagem José Ribamar no espetáculo da Paixão Nordestina. "Quando entro no arraiá, é arrepio na alma. É como se o coração dançasse junto. É um sentimento que só quem vive entende", dimensiona.

A assistente administrativa Tamires David Rodrigues, 29, é a Rainha da Paixão Nordestina e fala com orgulho da trajetória no grupo. "Ter sido anunciada Rainha foi um dos momentos mais marcantes da minha vida", relembra. Ela destaca a necessidade de mais apoio público para que o movimento alcance o verdadeiro potencial. "O São João movimenta o Estado, tem impacto econômico e social, mas ainda dançamos em locais impróprios e arcamos com custos de viagens e festivais interestaduais", elenca.

Já a promotora de loja Ingrid Rodrigues, 26, defende o papel social das quadrilhas: "É uma cultura viva, de gerações".

 

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