“Acho que a gente quer ver os filmes”, brincou Margareth Menezes no meio do seu discurso. Nesta segunda-feira, 9 de junho, a abertura do 29º Cine PE testou o limite da sua audiência após quase duas horas de atraso, longos discursos e uma série de problemas técnicos com o projetor e a ordem do cerimonial.
Apesar disso, a escolha áspera da curadoria deu uma gravidade pouco usual, e por isso interessante, para o começo de um festival.
“Violência contra a mulher” foi o tema central de quase todos os filmes exibidos: “Esconde-Esconde” (PE), de Vitória Vasconcellos, “Liberdade Sem Conduta” (RN) e o aguardado “A Melhor Mãe do Mundo” (SP), de Anna Muylaert, exibido em fevereiro no 75º Festival de Berlim, fazendo sua estreia nacional na capital pernambucana.
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Estrelado por Shirley Cruz, Seu Jorge e Luedji Luna, a trama gira em torno de Gal, catadora de lixo que foge com os filhos para escapar de um relacionamento abusivo.
Sem moradia e autonomia financeira, ela embarca numa jornada perigosa enquanto tenta proteger a inocência das crianças, fazendo-as acreditar que estão numa aventura. “A gente vai dormir na rua?”, pergunta um deles. Ela responde em tom alegre: “Não… A gente vai acampar!”.
O elenco infantil, aliás, é um grande destaque. Benin Ayo e Rihanna Barbosa incorporam essa dupla à margem dos sonhos de forma muito natural, com humor e firmeza. Numa sinergia surpreendente com o elenco, eles são um elo essencial entre fantasia e realidade que dão força vital ao drama. O filme chega aos cinemas no dia 7 de agosto.
"Esconde-Esconde" (PE), de Vitória Vasconcellos, e "Liberdade Sem Conduta" (RN), de Dênia Cruz, rimam com tragédias ainda mais graves. Abordando a negligência da saúde pública com o aborto, o pernambucano é irreverente pela forma como filma: em primeira pessoa, a partir de uma gravação analógica, na ficção de uma garota que persegue a irmã pela cidade até compreender seu estado de vulnerabilidade.
Já o potiguar documenta a história de uma mulher que, após ser vítima de uma série de abusos, mandou assassinar seu ex-marido. Na prisão, pediu caderno e caneta para escrever sua história que, eventualmente, transformou-se num livro. Apesar de muito amador em seu registro técnico, o filme nos faz pensar sobre justiça e punição do corpo feminino.
Já “Eu Preciso Dizer Que Te Amo” (PE), com direção coletiva de Marlom Meirelles e estudantes da rede pública do Jaboatão dos Guararapes, foi exibido fora de competição. “Depois de um longo debate, os alunos decidiram que queriam falar de amor. A comunidade tem muitos problemas, mas também tem amor”, comentou a professora Fátima Couto.
Arrancando risos e emoções, o documentário reuniu uma série de depoentes com relatos sobre a paixão. “O amor tem que ser brega mesmo”, disse uma das alunas no palco.
“Cavalo Marinho” (PE), de Léo Tabosa, encerrou a sessão de curtas com o carinho mais emocionante do dia. Estrelado por Divina Valéria, Tuca Andrada e Soia Lira, com produção da cearense Bárbara Cariry, a ficção reflete sobre o envelhecimento de pessoas trans, distante das capitais, resistindo aos preconceitos que não envelhecem.
Aos 80 anos, Divina faz uma das entregas mais delicadas da sua carreira como Francisca, uma senhora que ainda vive enlutada pela ausência do marido. A visita do seu filho, porém, tira algumas coisas do lugar. A trama comoveu a plateia, principalmente, pela personagem estar rodeada desse grande assunto que dominou a noite: o amor.
Antes dos filmes, o palco foi tomado por políticos das esferas federal, estadual e municipal, para celebrar o lançamento do “Arranjos Regionais”, edital do Ministério da Cultura com foco na redistribuição de recursos para além do eixo Rio-São Paulo. Dentre os presentes, estavam Margareth Menezes, João Campos e Luisa Cela.
O 29º Cine PE segue até o dia 15 de junho com cobertura do O POVO.
29º Cine PE