"Nem doce, nem amargo". "Azedo e com fundo de cravo". "Cheiroso e espesso". Em uma roda em que se prova o aluá, essas são algumas das expressões utilizadas para descrever a tradicional bebida junina.
Considerado o primeiro refrigerante do Brasil, sua origem e etimologia são incertas, mas remontam ao sincretismo das práticas culturais dos povos africanos com os costumes de fermentação e aproveitamento de ingredientes típicos entre povos indígenas.
Também chamado de aroá, o refresco se popularizou de fato no País por volta de 1800, quando era consumido nas festas populares e nos cortejos de D. Pedro I. Cerca de 225 anos depois, com a chegada do período junino, ao visitar barraquinhas de São João ou ir em busca de um pratinho, é possível encontrar a tradição do aluá perdurando no tempo.
Para o chef Léo Gondim, apesar das mudanças nas diversas versões da receita, a bebida ainda carrega a artesanalidade e o modo de preparo tradicional. "Ele era preparado com milho, tão farto na terra brasilis, assim como adicionavam cascas de frutas, ou frutas amassadas para a fermentação. O cravo e a erva-doce são influências europeias, pois, com o passar do tempo, a casa grande também consumiu a bebida e foi incorporando a receita", relembra.
Hoje, se a bebida depende do empenho de produtores locais e detentores de saberes ancestrais para não cair no esquecimento, é também através da espera que o pão adormecido encontra espaço para fermentar e ganhar seu sabor característico.
Após a fermentação e o descanso, a bebida costuma ser armazenada em recipientes de barro, e, em muitas famílias que dominam o preparo da receita, as moringas são passadas como herança estimada.
"Por ser preparado em utensílios de barro, era mantido em local fresco e com pouca luminosidade, o que o tornava uma bebida agradável e muito refrescante. Vale ressaltar que, até hoje, é um agrado nos festejos — em meio ao calor, vem como uma bebida fresquinha, um refrigerante mesmo", destaca Léo.
Doçura Ancestral
É pensando em sua mãe, Joselita Fortunato da Silva, que Antônia Maria Silva de Sousa amassa o pão carioquinha dormido sobre a mesa. Moradora de Capuan, na Caucaia, Antônia nasceu e cresceu no território que hoje abriga a Associação dos Remanescentes do Quilombo dos Caetanos. Aos 64 anos, Antônia se dedica anualmente ao preparo de tijolinhos doces, cocada mole, pé de moleque e macaxeira de grude. Contudo, entre as receitas, a do aluá ocupa um espaço diferente na geladeira e na memória de Antônia.
"Quando ela era viva, ela nos ensinou a fazer esse aluá e hoje ele ficou guardado para a vida toda", conta. Para ela, a receita tem início com o pão duro que, após três dias de molho, some embebedado nos 2 litros de água e, com seu cheiro forte, anuncia que o ponto da próxima etapa está chegando. É chegada a hora de misturar cravo, erva-doce, canela e gengibre a gosto, além de um ingrediente para adoçar a bebida, que depende da disponibilidade do armazém de Antônia. "Quando tenho rapadura preta, coloco. Quando não, faço um melaço do açúcar queimado e incorporo, repetindo o processo de abafar. Depois de um dia, volto para ver se a mistura de fato adoçou e, se não estiver adoçada, ainda coloco mais um pouco de açúcar antes de coar", relata.
Entre minúcias, como o pano de prato obrigatório como aviso para que as crianças não mexam, ou o retoque de açúcar que dona Antônia dá ao final, são detalhes como estes que tornam cada receita única. Quando a mistura está incorporada e a fermentação concluída, após o último dia de descanso, vem o momento de coar o líquido em pano e levar o refresco para gelar.
Depois de pronta, apesar do baixo teor alcoólico, por conta do processo de fermentação, a bebida pode enganar aqueles que se empolgam, alerta Antônia. "É uma bebida que nem todos conhecem, mas quando provam, passam a dar valor. Acho que, acima de tudo, ela é muito saudável e nutritiva, contanto que você não exagere", frisa.
Para fazer em casa
Prepare seu próprio aluá com receita de dona Antônia:
Ingredientes
Modo de preparo
Herança Familiar
Se para muitas famílias o aluá traz uma carga emocional, são poucos os empreendedores que conseguem incorporar a tradição ao seu negócio. Há 32 anos, a Doce Gula oferece o aluá no cardápio de seu arraiá.
"Como uma boa nordestina, cresci em meio às receitas que compõem nossa cultura alimentar. Minha família toda tem um pé na cozinha, e o aluá era o clássico refrigerante das nossas festas juninas", compartilha a proprietária e chef Sílvia Helena Vasconcelos.
Durante o período junino, a bebida é vendida em copo de 300 ml (R$ 13,90) e no litro (R$ 27,90), após passar pela espera tradicional do preparo, que requer três dias de fermentação natural com pão, água e especiarias.
Ofertando outras bebidas típicas da festividade, como o chá do Pai de Santo Antônio nas sextas-feiras, Sílvia frisa a importância da produção que mantém as tradições vivas.
"Infelizmente, é uma tradição que está se perdendo com o passar dos anos. Vejo muita gente que nunca ouviu falar. É por isso que faço questão de produzir e sugerir que as pessoas ao menos provem. Gosto de contar a história por trás da receita e mostrar sua representatividade na nossa cultura popular", afirma Sílvia.