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Berço de profissionais de destaque, Oficina de Quadrinhos da UFC completa 40 anos
Vida & Arte

Berço de profissionais de destaque, Oficina de Quadrinhos da UFC completa 40 anos

Oficina de Quadrinhos da UFC celebra 40 anos de existência contando histórias e criando artistas
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Fortaleza, CE, BR 11.06.25 Na foto: Daniel Brandão, desenhista  (Fco Fontenele/O POVO) (Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE Fortaleza, CE, BR 11.06.25 Na foto: Daniel Brandão, desenhista (Fco Fontenele/O POVO)

Em 1985, alunos da Universidade Federal do Ceará (UFC), guiados pelo professor Geraldo Jesuíno, se reuniram no terceiro andar do curso de Comunicação Social - Jornalismo, no Benfica. O objetivo era simples: falar de histórias em quadrinhos. Assim nascia a Oficina de Quadrinhos da UFC, que completa 40 anos em 2025.

A ideia partiu de Jesuíno, que havia se apaixonado por quadrinhos na infância. "A minha relação com os quadrinhos começou quando ganhei minha primeira revista do Durango Kid", relembra o docente. "Tempos depois encontrei um tijolo branco na rua, onde desenhei uma história do Durango, personagem de faroeste", diz.

Responsável por ministrar as aulas de Planejamento Gráfico, Geraldo pediu à jornalista Adísia Sá, uma das fundadoras do curso de Jornalismo da UFC, permissão para ministrar uma cadeira sobre História em Quadrinhos. "A disciplina amparava apenas quem estava na graduação; e na época muita gente interessada em quadrinho não estava na academia", relembra.

"E a gente enxergava isso", continua o professor. Foi então que decidiram transformar a reunião em um projeto de extensão. O objetivo não era ser um curso, mas sim ter um espaço para "discutir quadrinho, conversar sobre quadrinho, viver quadrinho". Não havia uma faixa etária ou escolaridade necessária para ingressar.

O cartunista JJ Marreiro foi um dos alunos nos anos iniciais do projeto, em 1992, antes mesmo de ingressar no meio acadêmico. O engenheiro químico de formação conheceu a oficina por meio de Fernando Lima, jornalista e um dos primeiros membros da iniciativa.

Os dois se aproximaram em um fã-clube de Jornada nas Estrelas. Então, Fernando convidou JJ para participar das reuniões. "Achei interessante a possibilidade de entender mais sobre a linguagem dos quadrinhos, seus recursos narrativos, sua produção e trocar ideias com outros autores que tinham vivências e visões distintas", rememora.

Não havia teste de seleção para ingressar e, no começo, não existia tanta demanda de público, de acordo com Jesuíno. "Tivemos que deixar a academia 'de banda', porque sabíamos que isso afastaria as crianças".

"Se eu falasse em certos elitismos acadêmicos, afastaria os meninos que não tinham dinheiro para pagar a passagem para ir à oficina", detalha o professor. Nesse período, o curso ofertava aulas semestralmente, ministradas por profisionais como a cineasta Jane Malaquias e pelo já citado Fernando Lima.

As exigências para participar das aulas eram estar matriculado numa escola e não reprovar matérias. As formações eram voltadas para o aprendizado de técnicas de desenho, narrativas gráficas como roteiro, história dos quadrinhos, arte final e técnicas de impressão. Daniel Brandão foi um dos quadrinistas que passou pelo projeto. O artista era estudante de Direito e estava insatisfeito, quando soube da oficina por meio de uma propaganda.

"Minha vida mudou porque lá eu descobri que existia uma possibilidade de se trabalhar com quadrinhos, se viver com quadrinhos e eu decidi que era isso que eu queria", diz o artista que abriu sua própria escola de artes, quadrinhos e ilustrações, o Estúdio Daniel Brandão.

O empresário e quadrinista mudou para a graduação de Jornalismo. Além das aulas, existia uma sala onde os colaboradores veteranos da oficina iam todos os sábados para produzir, trocar ideias para a nova edição da "Pium" - revista dos integrantes do projeto de extensão.

"Então, assim, era uma fábrica de sonhos, como eu chamo, assim, realmente uma oficina de ideias que a gente ficava ali, nossa, trocando figurinhas, mostrando páginas e nos motivando muito a produzir e trocar essa produção e sonhar em publicar sempre juntos ali naquela revista que a oficina sustentava, que era a 'Pium'", ilustra Daniel, se referindo a publicação idealizada pelo integrante do projeto e escritor Flávio Paiva, cujo nome fazia alusão a um mosquito pequeno.

Para Jesuíno, o projeto proporcionou mais do que a criação de narrativas ilustradas, mas despertou perspectivas para os quadrinhos no Ceará. "Quadrinho antigamente era coisa de desocupado. Ao levá-lo para a universidade, nós conseguimos uma credibilidade. A oficina veio como um antídoto contra o preconceito em relação aos quadrinhos", salienta o desenhista, que quando criança tinha que esconder as HQs da mãe, pois ela dizia que "eram do diabo".

Já Daniel afirma que a iniciativa foi fundamental para que sua escola existisse. "Eu posso dizer que a oficina de quadrinhos me ensinou a sonhar, me ensinou a sonhar e a correr atrás desse sonho". Em 1999, a oficina passou seu último e maior hiato, devido a uma obra de alargamento da Avenida Carapinima, que derrubou parte dos prédios da UFC.

Sem um "quartel general", os oficineiros passaram por uma pausa forçada. O projeto só retorna em 2004 e se mantém ativo até hoje, coordenado pelo e pesquisador Ricardo Jorge, pois Jesuíno está aposentado .

Marcas permanentes

Sob o comando de Ricardo Jorge, professor do curso de Jornalismo da UFC, a Oficina de Quadrinhos manteve a essência. A nova fase passa a ser marcada por um teste de seleção, uma vez que houve aumento da procura, uma faixa etária na qual interessados a partir de 15 anos podem entrar e um grupo de estudos sobre história em quadrinhos, a Oficina Invisível.

O docente assumiu a coordenação a partir de uma provocação de Geraldo Jesuíno, fundador e ex-coordenador do projeto de extensão. "Foi mais uma provocação que fiz ao Ricardo. Ele era recém-chegado ao curso e trazia novas ideias, algo que a oficina precisava", relembra o quadrinista. Ricardo não havia passado pela oficina, mas tinha o necessário: paixão pelos quadrinhos e pela produção popular.

"A possibilidade de me deter e me aprofundar teoricamente, conceitualmente num objeto do qual eu já gostava, que são os quadrinhos. Então, fazer isso é juntar aquilo que me afeta, com aquilo que me ajuda a me manter. Pessoalmente, como professor, é bem interessante", reflete Ricardo sobre os impactos de estar à frente da iniciativa.

As marcas da "velha guarda", como diz Ricardo, permanecem porque os primeiros membros ainda colaboram de algum modo. Além disso, a oficina continua sendo uma porta de entrada para quem ainda não havia entrado ou sequer imaginado estar numa universidade, como é o caso de Davi Ferreira, membro-colaborador do projeto.

O artista descobriu o projeto através de uma divulgação feita na escola onde estudava e rapidamente fez a inscrição para a seleção. "Foi a primeira vez que eu pisei na universidade e eu não imaginava como isso ia impactar na minha vida futuramente", relembra Davi, que se apaixonou pelo universo dos quadrinhos através de uma edição de 1994 da HQ "Na Teia do Aranha".

Thainá Marques, por sua vez, era estudante de Bibliotecnomia na UFC quando conheceu a oficina através de uma amiga. No fim da produção de sua monografia, ela conheceu o professor Ricardo Jorge - que posteriormente se tornou seu orientador no mestrado - e a acadêmica foi convidada a ser monitora do projeto.

"Sabia que ser aluna da oficina poderia me ajudar no percurso da minha dissertação e também tinha o objetivo de me tornar uma roteirista de quadrinhos, por já gostar de construir mundos fictícios com as palavras desde a adolescência, me tornei não só monitora como também aluna da oficina", explica Thainá.

Desmitificar o processo de produção de tirinhas e HQs é um dos impactos gerados pela iniciativa, segundo a atualmente mestranda em comunicação. Ainda existe um senso comum de que é preciso saber desenhar para criar narrativas em quadrinhos, de acordo com Thainá.

"Vemos que isso era um senso comum que não fazia tanto sentido, que todo mundo que sabe fazer um traço, um rabisco, pode desenhar, que o desenho pode ter uma infinidade de traços e comunicar efetivamente o que os autores desejam passar para os leitores", diz a roteirista.

Para Davi, um dos maiores êxitos da oficina, além da criação de mundos e enredos, é reunir diferentes perfis em uma sala de aula de modo que todos se conectem por meio de um denominador comum: os quadrinhos. "E todo mundo se conecta pelo poder que as histórias têm nas nossas vidas. Isso é muito fantástico e acho que é por isso que eu faço questão de continuar acompanhando o projeto", diz.

A longevidade da oficina, afinal "40 anos são uma vida", como disse o professor Jesuíno, é devido ao sentimento de comunidade construído. "Eu vejo a oficina como um microcosmo muito bonito da educação pública: é algo que existe e se sustenta pelo desejo de compartilhar com mais pessoas o conhecimento e a arte", pontua Davi.

"Então, enquanto tem gente interessada nessa comunidade, ela se mantém. O professor Ricardo Jorge, e anteriormente o professor Geraldo Jesuíno, são catalisadores dessa comunidade, como o Professor Xavier e seus X-Men", brinca.

Para JJ Marreiro, membro colaborador da oficina em 1992, o projeto permaneceu vivo por causa dos impactos gerados na comunidade: "A oficina resistiu ao tempo por ter se tornado um 'bem' adotado pela comunidade. Uma comunidade que ela mesma ajudou a se formar".

O quadrinista Daniel Brandão concorda com a afirmação de JJ: "Porque, enfim, é uma fábrica de sonhos e as pessoas sabem a importância disso, sabem a importância que a oficina tem e teve na vida deles e querem que a oficina também influencie outras pessoas".

Atividades e publicações da oficina

Atualmente, a Oficina de Quadrinhos realiza um curso voltado para a produção de obras. As aulas acontecem aos sábados no Centro de Humanidades II da UFC, localizado no Campus do Benfica, e são divididas em quatro módulos: roteiro, desenho, quadrinização, produção e publicação.

No fim do curso, os alunos produzem histórias a serem publicadas na revista "Pium", disponibilizada gratuitamente no site do projeto para download. Segundo Davi Ferreira, colaborador da oficina, a ideia é que as aulas sejam aproveitadas para a construção das narrativas para a publicação final.

Ao longo do ano, algumas das aulas são usadas como mentorias para que a turma apresente o andamento de suas histórias e é definido um prazo para a entrega da versão finalizada de cada HQ. Os enredos são reunidos em uma única obra, a "Pium", no ano seguinte.

Oficina

  • Quando: sábados, de março até dezembro
  • Inscrições: entre fevereiro e março; on-line no site da oficina
  • Quanto: R$ 1 para a inscrição; aulas são gratuitas
  • Onde: Centro de Humanidades II (Av. da Universidade, 2762 - Benfica)
  • Mais informações: oficinadequadrinhos.wixsite.com

 

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