Logo O POVO+
Após 12 anos, rapper Don L atualiza debate sobre sobrevivência e felicidade
Vida & Arte

Após 12 anos, rapper Don L atualiza debate sobre sobrevivência e felicidade

A equipe do Vida&Arte escutou antecipadamente o disco que chega 12 anos após o álbum de estreia e propõe reflexões sobre sonho, sucesso e sobrevivência no Brasil de 2025.
Edição Impressa
Tipo Análise Por
Don L lança novo álbum:
Foto: Bel Gandolfo/Divulgação Don L lança novo álbum: "Caro Vapor Vol. II – Qual a Forma de Pagamento?"

"Como ser feliz no inferno?" A pergunta que pulsa no novo disco de Don L atravessa cada batida, verso e arranjo orquestral de "Caro Vapor Vol. II – Qual a Forma de Pagamento?", lançado nesta segunda-feira, 16. Doze anos após o marcante "Caro Vapor: Vida e Veneno" (2013), o rapper cearense retoma o nome que o lançou nacionalmente para escrever novas páginas em sua trajetória, desta vez, com a maturidade de quem se propõe a responder perguntas que ficaram em aberto desde a estreia.

O álbum, com 15 faixas, será apresentado ao vivo em um show de lançamento no dia 18 de julho, na casa Audio, em São Paulo. Fortaleza, terra natal de Don L, também deve receber a turnê até setembro, segundo o artista adiantou ao O POVO.

A arte de Don L é inseparável de sua vivência pessoal. Ele explica que, no contexto do artista brasileiro, especialmente o rapper, a linha entre o pessoal e o profissional ("CPF e CNPJ") é tênue, quase inexistente. Suas letras e conceitos partem de sua visão e experiência, mas sempre com um "olhar coletivo" sobre as questões.

Don L busca fazer com que sua trajetória e arte tenham sentido no mundo, almejando não apenas sobreviver, mas viver de sua arte, e que essa arte seja "minimamente contestadora ou propositiva".

A continuidade, no entanto, vem acompanhada de novas camadas. "Qual a forma de pagamento?" não é só um subtítulo, mas uma provocação. "Se antes a gente queria sobreviver no inferno, como expressavam Racionais MC's, hoje estou tentando ser feliz no inferno. Como que a gente faz isso num mundo dominado por 'big techs', redes sociais e adoecimento mental?", questiona.

"Você pode até vencer na vida, mas qual o preço disso? Será que vale o que se paga? E será que esse preço tem alguma relação com o que foi vendido pra gente como sucesso?", provoca.

A escuta do disco é atravessada por essas inquietações. Faixas como "aFF Maria" e "CARO" trazem a sonoridade e as rimas elaboradas que se tornaram marcas registradas do rapper, mas também deixam espaço para o lúdico, o dançante, o contar histórias. "BOSSa", por exemplo, virou a favorita de Don L na reta final do processo.

"É a história da vida de uma mina que quer ser famosa. Tem um arranjo grandioso de metais, uma vibe meio orquestral que me lembra o que o Rogério Duprat fazia nos anos 1970", descreve o rapper, citando também influências de "Construção", de Chico Buarque.

Don L vai longe ao citar suas influências: samba antigo, bossa nova, jazz, Rodger Rogério, Itamar Assunção, Racionais, Ismael Silva e Chico Buarque. No novo trabalho, ele ainda divide colaborações com nomes como Giovani Cidreira, Anelis Assumpção, Alice Caymmi e reverencia artistas cearenses da nova geração, como Nego Gallo e Mateus Fazeno Rock.

Entre as faixas com mais peso emocional está "Iminência Parda", onde Don L costura sua própria trajetória com a de um amigo poeta que acabou tragado pelo tráfico em São Paulo. "Era um cara do rap, um mestre da palavra que ensinou muita gente. Virou um dos últimos bons malandros. E a vida levou ele", lamenta.

A canção traz sample do cantor, compositor e ator cearense Rodger Rogério, do grupo Pessoal do Ceará, e fala de sonhos coletivos que se dissolveram. "Tinha uma ideia de Brasil, de futuro coletivo. Hoje parece que nada mais importa".

De acordo com o rapper, produzir o álbum, como todo processo artístico no Brasil, foi exaustivo. "Foi o disco que eu tive mais condição financeira, mas ainda assim fiz com metade do dinheiro que seria preciso. Infernizei a vida de todo mundo até chegar no som que eu queria", relembra. "Pra eu ficar 100% satisfeito, precisava ter 10 vezes mais recurso. Mas acho que consegui realizar as ambições artísticas que eu tinha. Isso já é muita coisa", comemora.

A evolução artística de Don L é percebida principalmente através de sua experiência. Desde os tempos em que participou do grupo de rap e hip hop Costa a Costa, de 2005 a 2007, ele já trazia samples de carimbó, reggaeton, Pinduca e Marisa Monte. Apesar de não estar nas plataformas por questões de liberação de samples, ele demonstrava uma busca incessante por um som original e "muito nosso".

Apesar da sofisticação musical, Don L nunca perde de vista seu ponto de origem. Nascido e criado em Fortaleza, ele carrega a cidade como espinha dorsal da sua obra. E não hesita em se dirigir aos jovens da periferia cearense que sonham com uma carreira artística.

"Eu preciso de vocês. Não é só vocês que precisam de mim", diz. "A gente se ajuda quando acredita nos nossos sonhos, mas também quando entende que não somos só indivíduos. A gente precisa sonhar em mudar essa realidade como um coletivo. Não deveria ser tão difícil ter um sonho. Vamos acreditar na nossa rapaziada", conclama.

Caro Vapor Vol. II – Qual a Forma de Pagamento?

  • Disponível em todas as plataformas digitais
O que você achou desse conteúdo?