"A bailarina fantasma tem algo a dizer e uma história para contar. Sua vida se confunde com a vida dessa casa centenária", afirma Socorro Acioli no romance "A bailarina fantasma". Se fosse apenas a vida de Clara que se confundisse com a da casa de espetáculos, essa história seria mais fácil de começar.
Contudo, falar do Theatro José de Alencar (TJA) é relembrar Bernardo José de Mello, engenheiro militar que deixou um pouco de si nas formas das estruturas metálicas fundidas pela empresa escocesa Walter Macfarlane & Co. É trazer para o papel a imagem dos diversos jovens que preencheram o palco com as mais diversas linguagens artísticas ao longo dos quatro dias da Massafeira Livre, em 1979. É lembrar a vida e a labuta de Jorge, que, aos 44 anos, se configura como a quarta geração de iluminadores do TJA.
Dia Mundial do Teatro: conheça equipamentos culturais em Fortaleza
Quando Nogueira Accioly autorizou a construção do complexo, por meio da Lei Provincial nº 768, em 20 de agosto de 1904, disse à imprensa: "Vai Fortaleza possuir um teatro, uma casa de espetáculos vasta e confortável, que não a envergonhará aos olhos do estrangeiro".
No auge da Belle Époque, entre o afrancesamento dos costumes e a ode à art nouveau, a elite enxergava no Teatro um indicativo do progresso. Com arabescos, colunas de ferro e fachadas ornamentadas, os vitrais do Theatro marcavam o futurismo de Fortaleza quando erguidos naquela sexta-feira, 17 de junho de 1910.
Passados 115 anos, após um início de pompa e uma trajetória de altos e baixos, hoje configura-se uma atividade árdua debater os diferentes palcos e o patrimônio material delimitado como TJA. "Chamamos TJA não só o espaço físico, mas uma série de práticas ali abrigadas, ali nascidas, que se modificam. Um dos papéis do TJA talvez seja o de nos interpelar, o de nos convocar, sobre o que podemos fazer e como podemos fazer", conta Izabel Gurgel, diretora do equipamento de 2007 a 2014.
Para Ciel Carvalho, técnico há três anos no equipamento, é esse questionamento sobre o modo de fazer que rege o dia a dia de quem trabalha no TJA. Entre o encantamento de labutar olhando para as pinturas de Ramos Cotoco e Rodolfo Amoedo, existe o contraponto de lidar com as limitações estruturais do edifício tombado em 1964 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
"Não me acostumei com entrar no palco, ver aquelas pinturas e a beleza do prédio. Continuo me sentindo afetado e é interessante, a cada dia, descobrir um detalhe novo. Mas existe um desafio: como adaptar isso ao contemporâneo? Os espetáculos de hoje têm necessidades simples, como fazer um blackout, o que é impossível aqui dentro pela luminosidade que entra pelos vidros e vitrais. Então sempre digo que o espetáculo se adapta ao Theatro", exemplifica Ciel.
Quem partilha do sentimento é Jorge Luís Brasil, técnico em iluminação. Funcionário desde 2017, sua história por trás das coxias começou em 1937, antes mesmo de seu nascimento. Na época, seu bisavô, Álvaro de Alencar Brasil, era um eletricista que foi convidado para exercer a função de primeiro iluminador do Ceará. Depois dele, seu avô, José Lamartini, e seu pai, Zé Brasil, ocuparam o mesmo cargo que hoje Jorge perpetua com orgulho.
"Se eu não tivesse pai, avô, bisavô nessa área, talvez eu não tivesse a mesma paixão. Tive outras oportunidades, mas uma intuição forte me disse que estar aqui era minha vocação. E hoje, quando tô iluminando, sinto eles aqui comigo também. Tenho muito orgulho e, entre meus filhos, já venho treinando um deles, pois pretendo deixar a quinta geração de iluminadores do TJA", afirma, ao mostrar a placa da Sala de Iluminação Álvaro Brasil, instalada em homenagem ao pioneiro da família.
Do restauro àmodernização
Em meio a uma constante programação, o patrimônio transparece, contudo, as marcas que o tempo imprime. O último grande movimento de manutenção ocorreu há 34 anos, com o restauro finalizado em 1991. A ação teve início a partir da secretária da Cultura do Estado, Violeta Arraes, e promoveu intervenções físicas, além de uma redefinição conceitual do TJA, que passou a ser mais aberto à Cidade.
Em 2023, o equipamento foi um dos 105 selecionados pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) em projetos de recuperação de patrimônios culturais materiais e imateriais com tombamento federal.
Ao Vida&Arte, a Secretaria da Cultura do Ceará (Secult), responsável pelo TJA em parceria com o Instituto Dragão do Mar, frisa que a fase atual de investimento é para a elaboração do projeto de restauro desses bens, e não para as obras. Neste momento, com a conclusão da etapa de repasse de verbas, a Secult está autorizada a iniciar o processo licitatório, que já está em curso e conta com prazo de oito meses para firmar as licitações.
Segundo a pasta, os projetos desenvolvidos contemplarão tanto a parte estrutural como multimídia, tecnologia da informação e acessibilidade. O valor previsto pelo PAC para a realização dos projetos é de R$ 350.000, oriundos do Tesouro Federal, com contrapartida de R$ 18.000 do Tesouro Estadual.
Ainda em nota, a Secult afirma estar em diálogo com instituições como Petrobras, BNDES e Caixa Econômica Federal. A ideia é construir parcerias para que, após a fase de estudo do projeto, possa se viabilizar o restauro do TJA.
O POVO tentou entrevista sobre o PAC e outros pontos referentes ao TJA com a gestora do equipamento, Natália Escóssia, mas a reportagem foi informada que, em virtude de compromissos, ela estava sem disponibilidade.
As marcas do tempo
1896
1904
1908
1910
1964
1975
1990
1991
2000
2010
2014
2020
2024
2025
"TJA 115 anos:
O passado ecoa.
O agora cria."