A fotografia tem o raro poder de parar o tempo. Um gesto que passa despercebido, um olhar atravessado pelo sol, uma cena cotidiana carregada de silêncio - tudo pode se tornar eterno diante da lente de quem sabe ver. Para Celso Oliveira, esse gesto vai além do estético: é também um ato de afeto, resistência e memória.
"Fotografar alivia a dor e mata saudades. Ela não deixa você esquecer de nada", define o fotógrafo, que celebra, nesta quinta-feira, 26, seus 50 anos de carreira com o lançamento do livro "Habitantes", em evento gratuito realizado na Biblioteca Pública Estadual do Ceará (Bece), em Fortaleza.
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Radicado no Ceará desde os anos 1980, Celso é referência na fotografia. Com um estilo marcado pela sensibilidade e pelo compromisso social, seu trabalho retrata festas populares, manifestações culturais e o cotidiano de comunidades, sempre com uma ótica atenta à dignidade e à identidade dos retratados.
A publicação "Habitantes" dá continuidade à exposição homônima realizada entre 2022 e 2023 no Museu da Cultura Cearense, e reúne 60 imagens que atravessam o Ceará, o Nordeste e outros territórios da América Latina. Mais do que um registro visual, a produção é, como define o fotógrafo em entrevista ao O POVO, "um percurso de afetos".
As imagens revelam rostos, gestos e paisagens que, embora muitas vezes invisibilizadas, carregam potências e histórias singulares. "O sentimento dos 'habitantes' é o mesmo: todo mundo quer ser feliz e ter paz no coração", resume Celso.
"Existe um grande afeto entre os povos — nações indígenas, quilombolas, o povo da periferia. Todos solidários, não só entre si, mas também com quem chega".
A curadoria das imagens foi conduzida por Henrique Torres, médico e também fotógrafo. "Ele fez a primeira seleção, depois me ajudou na segunda edição e também na terceira, que foi a finalização. Eu fiquei só na emoção. Sofri bastante, deixei muitas fotos boas de fora. Tomara que um dia eu consiga fazer o 'Habitantes 2'", projeta Celso Oliveira.
"A fotografia mundial saiu do gueto"
Com uma trajetória marcada pela fotografia documental, Celso Oliveira iniciou sua jornada como assistente de laboratório no Estúdio Fotografismo e Artes, em 1975. Atuou como fotógrafo em publicações como "Veja", "Isto É" e "O Globo", e integrou a equipe do O POVO, sob coordenação de Chico Albuquerque.
Em 1994, fundou, ao lado dos fotógrafos Tiago Santana e Tibico Brasil, a Tempo D'Imagem, agência e editora dedicada à produção de ensaios e livros.
Sua motivação principal segue intacta: um compromisso ético com os retratados e um olhar atento à dignidade das pessoas comuns. Celso opta pela fotografia em preto e branco para ressaltar a tensão presente na luz do Ceará.
"Meu percurso como ser humano e fotógrafo sempre foi procurar descobrir como todo mundo faz para enfrentar as adversidades da vida aqui na terra. De onde vem a energia para driblar tanta dificuldade que a própria humanidade criou? Meu compromisso é não deixar de ser fiel ao que sinto e percebo — que, mesmo com tudo isso, o habitante latino ainda é um ser feliz".
"Eu nunca fui de posar só como fotógrafo. No fundo, eu me acho um habitante andarilho". Para Celso, a fotografia se transformou — tecnicamente, socialmente, eticamente —, mas seu sentido permanece vital.
"A primeira mudança significativa, e bastante interessante, é que hoje mais pessoas podem fotografar. A fotografia mundial saiu do gueto. Pra mim, o sentido da vida é mais pessoas podendo participar das coisas boas. A fotografia foi — e ainda é — a melhor coisa da vida de muitas pessoas".
Lançamento do livro "Habitantes"