Há precisamente 80 anos, nascia um eterno ídolo do Brasil: o baiano Raul Santos Seixas, nosso Raul Seixas. Falecido há 36 anos, o roqueiro segue marcante na memória brasileira por suas músicas que misturam elementos do rock internacional com regionalismo, sonhos e críticas sociais.
O autor de "Metamorfose Ambulante", "Ouro de Tolo", "Mosca na Sopa", "Tente Outra Vez" e tanto outros sucessos nunca deixou de repercutir na música brasileira, tanto que é considerado um dos "pais" do rock nacional por influenciar todas suas gerações posteriores e é constantemente redescoberto por novos jovens.
A identidade pela qual é conhecido hoje foi construída por um jovem que saiu da escola após a terceira série, mas adorava ler sobre filosofia, religião e ocultismo, tendo como grandes referências os autores Aleister Crowley, Hermann Hesse e Jorge Amado. Na música, Elvis Presley e o "rock and roll" dos anos 1950 foi o que tomou conta de sua influência musical, tendo criado inclusive o fã clube "Elvis Rock Club".
Reunindo tudo que lhe era especial e fundamental, ele se destacou na cena de Salvador, onde fundou a banda Os Panteras no final da década de 1950. O grupo foi considerado um dos primeiros na categoria de rock baiano. Sua estreia autoral foi com o álbum "Raulzito e os Panteras", que não teve significativo retorno financeiro, mas inspirou a música "Ouro de Tolo" na época.
"Porque foi tão fácil conseguir e agora eu me pergunto: E daí? Eu tenho uma porção de coisas grandes pra conquistar. E eu não posso ficar aí parado", escreveu Raul, que posteriormente alcançou sua repercussão nacional ao assinar contrato com a gravadora Philips (atual Universal Music) e começar parceria criativa com o escritor Paulo Coelho, com quem escreveu dezenas de canções, entre elas: "Gita", "Eu nasci há 10 mil anos atrás", "Sociedade Alternativa", "Al Capone", "A maçã" e "Medo da Chuva".
A característica de sua obra é principalmente a originalidade, a contracultura, a busca por um mundo livre e a rebeldia. Era uma mistura inédita do rock com estilos de baião, forró, psicodelia e música popular brasileira.
"Raul teve uma tremenda importância por passar a falar dentro de uma linguagem rock sobre temas filosóficos e metafísicos com um certo sarcasmo, críticas sociais e políticas, de uma forma fluente e inteligente. Ele fazia isso com uma poesia que era, ao mesmo tempo, simples e rebuscada, que era acessível a todas as camadas sociais, desde os menos letrados aos mais cultos, mas sem deixar a dever em nada a nenhum acadêmico", descreve o cantor, compositor e guitarrista Marcelo Pinheiro, que apresenta com a banda Renegados Além dos Rótulos o projeto "Encontros Seixistas" mensalmente no Boteco Vintage.
Leia no O POVO + | Confira mais histórias e opiniões sobre música na coluna Discografia, com Marcos Sampaio
Ele acrescenta: "O Raul tem uma diversidade incrível de estilos numa linguagem rock, mas que passa pela música popular brasileira e vai desde pontos de candomblé, passando por influência do baião, de viola nordestina e outros estilos da música popular brasileira até o tradicional blues e rock".
O "jeitinho Raul Seixas" é dificilmente esquecido, principalmente quando analisadas as heranças musicais familiares. Essa é uma história, por exemplo, compartilhada pela acriana Emília de Freiras, que reside no Ceará há 30 anos. "Conheci a obra de Raul Seixas ainda na infância, graças à forte influência do meu pai", compartilha a professora de 47 anos, que passou pelos momentos mais marcantes com sua família embalada pela música do artista. Ela conta: "A obra dele fazia parte do nosso dia a dia, ao ponto de a família toda se identificar com Raul Seixas — nos víamos como 'a família Raul'".
O roqueiro baiano acompanhou Emília em longas viagens pelo Brasil feitas de carro com os pais, do Acre ao Rio de Janeiro, do Espírito Santo ao Acre e vice-versa. Eram dias inteiros ouvindo somente Raul Seixas. "Comecei a ouvir suas músicas sob outra perspectiva, buscando entender as mensagens, os questionamentos e as reflexões que ele propunha. Deixei de vê-lo somente por uma ligação afetiva com meu pai e passei a admirar profundamente a sua produção artística. Suas canções me ajudaram a descobrir aspectos importantes sobre mim mesma, sobre a vida e sobre o mundo. Passei a me identificar com sua filosofia, suas críticas sociais, políticas e existenciais", afirma a pedagoga.
Emília é fã de carteirinha até hoje, fazendo parte de fã clubes e da produção da banda "Cancerianos sem Lar", grupo fortalezense que se dedica exclusivamente ao repertório do Raul.
"Em meu aniversário, por exemplo, o tema do bolo é sempre Raul Seixas. Tenho camisetas, guardo os LPs que herdei do meu pai, além de CDs. Raul está presente na minha vida desde a infância até hoje, na vida adulta", destaca. Para ela, que tem dois filhos já adultos, essa é uma paixão infindável: "é uma tradição familiar, que já se estende por três gerações. Somos, com orgulho, 'raulseixistas'".
O ator cearense Mateus Franklin, 30 anos, é de outra geração, mas também se considera super fã de Raul Seixas. "Desde pivete, o que eu ouvia me atravessava de um jeito diferente. Meu pai colocava os discos ou os CDs, e eu ficava tentando entender o que aquele cara estava dizendo. Me pegava mesmo. Algumas músicas não exigiam nem interpretação — o Raul sabia ser direto quando queria", diz.
"Comecei a ter acesso à internet, comecei a pesquisar mais, baixar a discografia, escutar tudo. Então, deixei de ouvir só os sucessos, os 'lados A', e fui mergulhando mesmo na obra completa. Raul passou a fazer parte do meu cotidiano, da minha construção", pontua.
Sobre a "aderência" raulseixista em sua vida, ele explica: "se eu olhar para minha história, especialmente nesses 10 anos de teatro que venho fazendo, percebo o quanto absorvi da ironia do Raul. E, claro, a ideia da metamorfose ambulante, que para mim é essencial, principalmente no fazer artístico. Acho que, mais do que qualquer outro, o ator precisa estar aberto à mudança constante, e isso Raul encarnava como ninguém".
"Tive um projeto chamado RaulSextas, que rolava num bar de um amigo meu: toda sexta-feira a gente fazia show com covers do Raul. Já participei de vários eventos em homenagem a ele. É o artista que eu mais gosto de interpretar, de verdade. Raul é, para mim, inspiração, espelho e uma referência que está comigo até hoje. Raul é infinito", celebra.