Comecei três crônicas, apaguei as frases e deixei para depois. Ao longo da semana, tal e qual a personagem mitológica Penélope - fui escrevendo durante o dia e riscando durante a noite. Talvez também na esperança de que alguém aparecesse para salvar a minha escrita. Não, não é uma espécie de bloqueio criativo. É algo que perpassa o sentimento de incompletude, o tédio, a preguiça e a busca inútil pela crônica perfeita.
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Eu apenas não acho os temas bons ou as frases minimamente articuladas. Então, vou me ocupar de apanhar a roupa do varal ou de lavar uma louça e, quando retorno ao computador, as palavras fazem menos sentido ainda. O que eu estava escrevendo mesmo? Por qual razão estava escrevendo sobre isso? E apago, sem dó. Não tenho pena de deletar texto ruim - seja meu ou dos outros.
E não risco somente o texto em si, mas o arquivo inteiramente. Depois, vou na lixeira para limpar qualquer rastro. Não quero conversa com texto que não começa arrebatando, mexendo nas profundezas da alma, fazendo rir e chorar.
Mas as produções inacabadas permanecem pairando no ar como fantasmas dispostos a dizer "bú" na calada da noite. Acordo para beber água e lá estão dentro do copo. Abro a máquina de lavar e elas saltam. São pedaços de algo que poderia ter sido e não foi. É como descer do ônibus com paradas antes do destino.
Há uma frase emblemática na franquia "Velozes&Furiosos": "50% de alguma coisa é melhor do que 100% de nada". Não acredito completamente. Às vezes, é melhor ter o absoluto nada e poder começar algo novo, bom, fresco.
Mas nada é tão bom para coibir uma escritora que não aceita as próprias produções quanto uma editora marcando colado. Crônica de jornal é compromisso. Tem que sair. Não importa se a lixeira foi deletada ou se as linhas não estão perfeitas. Algo será publicado. Desde janeiro, não há uma única crônica minha que eu tenha amado. De algumas, gostei um pouco. De outras, gostei um bocado. Mas amar, assim de verdade, nada. Por sorte, os leitores, pessoas a quem a escrita é endereçada, dão bons retornos. Parecem gostar até quando eu misturo esmalte com livro de colorir
Outras crônicas entram para o rol da vergonha: como eu tive coragem de publicar isso? No ano 2256, quando os pesquisadores estiverem debruçados sobre o acervo do O POVO em busca da literatura cearense feita em 2025, vão encontrar minhas crônicas e exclamar: "É isso que os autores da época escreviam?". Vou pedir pra ser cremada para não ter a chance de me revirar no túmulo.
Tenho usado até o último minuto para escrever essa crônica. Sabem qual é o problema? Eu sou a editora do caderno. Então, eu mesma sou a responsável por cobrar o compromisso da escrita e do envio. "Você se cobra demais", ouvi outro dia de uma colega. É uma frase verdadeira em várias camadas. A busca da perfeição me impede de fazer coisinhas medianas que funcionam bem.
Na próxima quinzena, eu vou sentar na cadeira e digitar até fazer a crônica perfeita. Vou demorar 20 minutos na escrita só. Vai ser um texto para amar. Vocês vão ler!