“Fito é uma palavra para a realização do olhar presente. Fitar algo é deter-se, firmar a vista, e isso diz muito do interesse, da escuta e do cuidado que nós, mulheres, temos umas com as outras”, afirma a fotógrafa Naiana Evangelista. A fala advém de sua resposta ao contar sobre o nascimento do Fito Ateliê, espaço criativo que Naiana desenvolve ao lado de sua mãe, Josy, e de sua irmã, Raquel.
Criado em 2024, o ateliê nasceu da partilha criativa familiar entre mulheres, que reúne fotografia e ilustração em obras bordadas. Com estreia na Feira Rosenbaum, que aconteceu no mês de junho em Fortaleza, o trio lançou a coleção “Redes de pesca e de pouso”, composta por sete desenhos, cada um com três reproduções, perfazendo 21 obras originais.
Para as artistas, o título da coleção de estreia contempla o processo pelo qual as mulheres passam ao tecer uma rede de apoio, que possibilita o compartilhamento dos pesos da vida.
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“Os sete primeiros desenhos nos levam a acompanhar a trajetória de um peixe que nasce junto ao olho d’água, nascente do rio, até chegar ao mar. Nesse percurso, o peixe se torna espelho de nós, e falamos sobre mergulho, coragem, autodescoberta, encontro, partilha. É a trajetória de cada uma de nós em busca de si, enquanto amparamos umas às outras”, conta a ilustradora Raquel.
Até chegar ao produto final, as obras passam por um processo artístico que tem início nas lentes de Naiana, através da fotografia. Formada no percurso de Fotografia da Escola Porto Iracema das Artes, Naiana afirma que o registro visual e a palavra escrita foram sempre seus canais de conexão com o mundo.
“É um aprendizado de olhar, de se presentificar mesmo no meio do turbilhão. É também uma forma de lidar com um forte medo de esquecer, de perder a memória, que se intensificou há alguns anos, depois que meu pai foi diagnosticado com Alzheimer”, conta Naiana, que, ao lado do marido, também toca a Xodó Foto e Filme.
Na Fito, as imagens registradas por Naiana servem como referência para os processos criativos das histórias que serão contadas. Com as imagens no imaginário, é chegada a hora de Raquel traçar a ilustração, misturando referências da cidade com vivências de sua vida.
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Familiarizada com o desenho desde a infância, Raquel transformou o hobby em profissão quando, há dez anos, riscou suas ilustrações pela primeira vez na pele de alguém.
“O que senti naquele momento fez a paixão despertar um novo caminho profissional. Há dez anos trabalho com tatuagens autorais inspiradas em histórias reais. Acho bonito pensar que, assim como minha mãe que é psicóloga e bordadeira, faço arte com escuta, agulhas e linhas”, afirma.
Com desenhos na coleção que remetem à ponte velha da cidade, Raquel acredita que desenhar é uma forma de olhar com calma para o território em que se habita.
“Fortaleza é um grande pedaço do meu mundo, e fitar nossa cidade com olhar carinhoso e criativo, tendo-a como inspiração, já era algo frequente no meu desenho e na minha escrita. A Fito abraça isso por ser comum a nós três, cada uma com seus pertencimentos”, pontua Raquel, inspirada pela obra “O grande rio”, do pintor cearense Leonilson.
Com os desenhos feitos, o ponto de arremate é dado por Josy Evangelista, mãe de Raquel e Naiana, psicóloga e bordadeira.
A arte manual entrou em sua vida quando descobriu que seria avó, e lhe veio o desejo de transmitir afeto para a neta Anna através de algo feito por suas próprias mãos. Da neta, quis presentear também amigas, tias e filhas, e daí surgiu uma paixão que se faz presente em todos os dias de Josy.
Natural de Mombaça, no Sertão Central do Ceará, ao passar a linha na agulha, Josy também afirma trazer à memória sua mãe e avó, honrando a tradição que fazia parte da família.
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Para a neuropsicóloga, reunir o trabalho artístico das descendentes no ateliê é também uma oportunidade de afinar pensamentos e conexões ao lado das filhas.
“Estamos a cada dia mais conectadas através dos nossos encontros, reconhecendo nossas histórias, revivendo memórias familiares e vivenciando uma infinidade de afetos, como, por exemplo, o olhar delas de admiração e amorosidade pelo meu trabalho com o bordado”, revela Josy, aos 63 anos.
Os encontros artísticos para esta primeira coleção aconteceram nas casas das artistas, em tardes que contaram com café e um olhar cuidadoso para a individualidade do que vem sendo produzido pelas três, de forma individual e coletiva.
Trabalhando com linguagens próximas, após parcerias pontuais ao longo da vida, o Fito se concretizou em 2024, com a maturidade criativa e a disponibilidade de tempo entre as três que a proposta de ateliê compartilhado requisitava.
Após a participação na feira, com dois terços da coleção “Redes de pesca e de pouso” esgotada, as artistas já iniciaram o processo de pesquisa que dará origem ao próximo lançamento.
Para Naiana, além da presença e do cuidado feminino que o ateliê propaga, o trabalho desenvolvido em família possui em si o propósito maior de contar e perpetuar histórias.
“Também vemos na palavra Fito a junção dos termos fio e infinito, o que diz da linha da vida que une tempos ancestrais. No nosso caso, é o fio forte dessa relação de mãe e filhas e do amor que aprendemos umas com as outras”, finaliza Naiana.
Saiba mais sobre o Ateliê Fito