O pianista pernambucano Amaro Freitas volta a Fortaleza para apresentar o espetáculo do seu novo álbum, "Y'Y", no Anfiteatro do Dragão do Mar. O show, marcado para sábado, 19, mergulha o público em uma experiência sensorial e espiritual inspirada na floresta amazônica - seus rios, seus encantos e sua gente.
O disco, lançado em 2024, é fruto de uma imersão do artista na região Norte do País e de um intenso processo de escuta e criação iniciado em 2020, quando Freitas visitou Manaus pela primeira vez.
"Y'Y" – termo que significa "água" ou "rio" em sateré-mawé – marca uma nova etapa na trajetória do pianista, reconhecido por integrar elementos da música afro-brasileira ao jazz contemporâneo com uma abordagem pessoal e experimental.
A base conceitual do disco surgiu a partir do contato com a comunidade indígena sateré-mawé (povo que habita a região do médio rio Amazonas), com quem Freitas estabeleceu uma troca respeitosa e inspiradora. Em entrevista ao O POVO, ele descreveu a vivência como "um marco".
"A experiência em Manaus foi particularmente marcante. Conectei-me com um Brasil que livros e revistas não conseguem retratar: os rios imponentes, o encontro das águas, a culinária regional, a vastidão da floresta e o clima quente. A visita à comunidade sateré-mawé me proporcionou um entendimento mais profundo sobre a relação espiritual com a natureza e a importância do respeito ao território".
Com participações de artistas internacionais como Shabaka Hutchings, Brandee Younger, Jeff Parker e Hamid Drake, o álbum apresenta nove faixas compostas a partir de lendas amazônicas, memórias sonoras e experimentações técnicas.
As músicas evocam personagens míticos da floresta, como o gigante de um olho só e a sedutora senhora das águas. Já na composição "Sonho Ancestral", Freitas combina piano e m'bira africana (instrumento de percussão), sugerindo uma experiência sonora que traz à mente o mundo dos sonhos dos seres encantados.
Para alcançar a textura sonora desejada, o artista pernambucano desenvolveu técnicas de piano preparado e extensão instrumental. Em vez de usar parafusos ou peças metálicas, ele optou por objetos do cotidiano, como sementes amazônicas, fita adesiva, cartões e prendedores de roupa, criando um piano com sonoridade tropical, "mais quente, vibrante e próximo da mata", como ele define.
Proposta corporal
A performance apresentada em Fortaleza, segundo o músico, é intensa e corporal: "Há um envolvimento físico com o instrumento, com o som, com o público. Não é só música, é uma experiência sensorial e ancestral".
"Y'Y" também se insere em uma linha narrativa que percorre a discografia anterior de Freitas. Depois de "Rasif" (2018), homenagem a Recife a partir de suas raízes afro-árabes, e "Sankofa" (2021), que dialoga com a ancestralidade africana, este novo trabalho amplia ainda mais o leque de referências culturais, espirituais e territoriais. Todas as obras têm em comum o gesto de escavar o passado e resgatar códigos apagados pela colonização.
"Nossos livros não contaram a história das civilizações indígenas e africanas que existiam antes da chegada dos europeus. Quando escolho nomes como 'Rasif', 'Sankofa' ou 'Y'Y', estou justamente provocando: o que é isso? De onde vem? Por que não está nos nossos currículos?", questiona o artista.
Durante a entrevista, Freitas compartilhou a importância de respeitar o tempo das criações. O álbum levou cinco anos para ser concluído, entre visitas à floresta, trocas com lideranças indígenas e sessões de experimentação sonora. "Não tenho pressa em lançar outro disco. Quero que 'Y'Y' circule o quanto puder, que chegue a lugares onde esse debate ainda não chegou".
A abordagem de Amaro combina rigor técnico, escuta sensível e posicionamento político. Como artista negro nordestino, nascido em Pernambuco, ele considera essencial que sua arte dialogue com as urgências do tempo presente.
"Acho que essa é, afinal, a função do artista: conectar sua arte ao tempo em que vive. Eu acho que o papel do artista fica muito claro em uma fala da Nina Simone, quando ela diz que não é possível dissociar sua arte do tempo em que vive", diz.
Amaro Freitas apresenta "Y'Y" no Ceará
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Amaro Freitas apresenta "Y'Y" no Festival Mi, em Viçosa do Ceará