Muito além de discutir propósito e origem da vida, para o pensamento contracolonial, a circularidade do pensamento é uma oposição direta ao pensamento linear cartesiano, que tem um "limite" ou "fim".
Para ele, a roda da vida é um contínuo "começo, meio e começo", sem um ponto final. Em qualquer ponto que se entre ou saia da roda, estará sempre no começo ou no meio, mas nunca no fim. Essa circularidade é uma característica das manifestações culturais afro-brasileiras, como a capoeira, o samba e o batuque, por exemplo, que são dançados e praticados em roda.
Uma das aplicações mais claras desse conceito é na transmissão de saberes entre as gerações. Nego Bispo afirma que a geração avó é o começo, a geração mãe é o meio, e a geração neta é novamente o começo.
Esse ciclo garante que o conhecimento, as experiências e os modos de vida sejam passados adiante e continuem a existir, sendo reeditados e enriquecidos, sem que se percam. Isso difere do modelo colonial de educação, que muitas vezes desconsidera os saberes ancestrais e orgânicos em favor do conhecimento escrito e linear.
A mesma perspectiva também se estende à relação com a natureza. Em vez de uma visão de "preservação" ou "fim" dos recursos, a ideia de "começo, meio e começo" sugere uma relação de envolvimento e biointeração.
A terra dá e a terra quer, e se nos relacionamos com ela de forma cíclica - dando e recebendo -, a vida continua. Assim, o que apodrece na terra se decompõe e a retroalimenta, não é lixo, mas parte de um ciclo orgânico.
Logo, quando se propõe uma ação direta que nega o colonizador e exalta a tradição e ancestralidade, as comunidades antes subjugadas, como os quilombolas, passam a não ter "fim".
Elas continuam a existir e a se manifestar apesar das tentativas de apagamento. O conhecimento, assim, deve ser compartilhado e não mercantilizado, crescendo ao ser passado adiante, como rios que confluem e se tornam maiores.
A confluência se distingue da "coincidência", que não tem explicação e nega a origem dos acontecimentos. A confluência, ao contrário, explica os encontros. E quando nos encontramos com o pensamento de Nego Bispo, é como achar o começo. De novo.