Em uma tarde de 1826, na região da Borgonha, na França, o físico francês Joseph Niépce esperava por oito horas em sua janela, aguardando que a luz do sol reagisse com uma placa de estanho coberta com o material químico betume da Judéia.
Posteriormente, a foto intitulada de "Vista da Janela em Le Gras" seria cunhada como a primeira imagem permanente produzida pela luz, concedendo ao francês os louros de ser um dos inventores da fotografia.
INSTAGRAM | Confira noticias, críticas e outros conteúdos no @vidaearteopovo
Quase 200 anos depois do surgimento da oitava arte, na avenida Treze de Maio, na capital cearense, o professor Wendel Medeiros partilha do mesmo anseio ao subir no terraço do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE).
Em um cenário de câmeras que rondam na casa dos vinte mil reais, o artista visual vem testando os limites da fotografia ao produzir registros com papéis de jornal, estêncil e a luz solar.
Intitulado Estêncil Solar, o processo tem início através da produção de um molde vazado em uma folha de acetato, que carrega a forma da imagem que será reproduzida.
Após essa fase, Wendel coloca a forma sobre um papel jornal, que, devido ao seu baixo custo de produção, contém muita lignina, substância responsável pela reação fotossensível à luz. Partindo do princípio de que, após a leitura, esse papel será descartado, na fabricação do papel jornal é mantida a lignina, economizando com os tratamentos químicos caros necessários para removê-la.
"Uma das consequências de ter muita lignina é que o papel jornal é mais acinzentado e vai amarelando com o tempo. Quimicamente, a lignina, quando exposta ao sol, é oxidada, e é isso que cria escurecimento. Ao colocar o estêncil sobre o papel jornal, a luz atravessa áreas específicas, queimando-as e criando um contraste de cor com as áreas protegidas, onde a lignina não foi exposta ao sol e ao ar", explica Wendel.
Ao longo dos anos em que vem desenvolvendo sua experimentação, Wendel contou com bobinas de papel jornal, cedidas pela Gráfica do O POVO. Em um jogo metalinguístico, ao conversar com o Vida&Arte, Wendel realizou o experimento com a logomarca do caderno, provando que os efeitos podem ser vistos desde rostos até tipografias.
"Nessa técnica, existe também uma proposta de reciclar, visto que muitas dessas bobinas, que seriam descartadas, são reaproveitadas. Através da produção de arte, um papel que seria descartado acaba servindo como matéria-prima", afirma.
Devido ao caráter inédito da descoberta, o pesquisador foi selecionado para participar do Experimental Photo Festival, que acontece de 23 a 27 de julho de 2025, em Barcelona, na Espanha.
Em sua sexta edição, o evento oferece residências artísticas, conferências, exposições e workshops dedicados à fotografia experimental, se configurando como o maior festival internacional na seara.
Para Wendel Medeiros, levar o Ceará e ser um dos dois representantes brasileiros no evento parece um sonho distante para o garoto de 21 anos que não tinha muita certeza sobre os rumos que iria tomar em sua vida.
Nascido em 1977, Wendel teve uma forte conexão com o universo audiovisual desde a década de 1980, brincando com composição e enquadramentos, o que o levou também a praticar desenho.
Após uma tentativa frustrada na graduação em Contabilidade, em 1998, Wendel reencontrou essa vertente dentro de si ao começar o curso técnico em Design e Tecnologias Industriais Básicas, no, à época, recém-inaugurado Instituto Dragão do Mar.
Já envolto no ecossistema das artes, o divisor de águas veio ao descer do ônibus em frente ao IFCE e ver um panfleto no chão sobre o vestibular de Artes Plásticas da instituição. Após se formar na primeira turma de Artes Plásticas do Instituto, hoje, Wendel leciona há mais de 15 anos no terreno fértil que lhe moldou.
Professor da disciplina de Fotografia Experimental, as aulas do docente têm como escopo pesquisar o diálogo entre fotografia e outras linguagens artísticas, como o desenho e a gravura, além de investigar novos suportes, técnicas e materiais, pelo viés teórico e norteador da arte urbana.
Para chegar ao resultado do estêncil solar, o pesquisador ressalta, ainda, a importância do diálogo com outros métodos de experimentação da fotografia analógica.
"Conceitualmente, para mim, a fotografia nunca dependeu de um aparelho, e sim do fato de você ter uma imagem fotossensibilizada. Então, é possível tirarmos fotos sem uma câmera. Experiências como a antotipia, que utiliza pigmentos fotossensíveis extraídos de plantas, ou a cianotipia, que produz imagens em tons de azul através de sais de ferro fotossensíveis, nos provam isso de certa forma", ressalta.
Gráfica do O POVO
Para sua pesquisa, Wendel Medeiros visitou a Gráfica do O POVO, em Maracanaú, onde lhe foram cedidas bobinas do papel jornal utilizado na impressão deste periódico, destinadas ao uso no experimento.