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Biblioteca comunitária no Pici lança campanha virtual para construir sede
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Biblioteca comunitária no Pici lança campanha virtual para construir sede

Biblioteca comunitária no bairro Pici arrecada fundos para conquistar primeira sede e continuar oferecendo arte às crianças
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 (Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS

O acesso ao livro pode não mudar o mundo de imediato, mas transforma a forma como se vive nele. Para uma criança ou um jovem em situação de vulnerabilidade, o contato com a leitura amplia horizontes, abre caminhos antes invisíveis e ressignifica realidades.

Em territórios marcados pela violência e pelo abandono do poder público, o livro vira janela e espelho. Foi a partir dessa crença que, em 2016, surgiu a Biblioteca Papoco das Ideias — projeto comunitário que atua na favela do Papoco, no bairro Pici — e que agora lança uma campanha on-line para conquistar uma sede própria e expandir as ações.

Há quase dez anos, a biblioteca funciona no quintal da casa de dona Antônia, mãe da idealizadora, a escritora e antropóloga Argentina Castro. A iniciativa nasceu como resposta coletiva à dor de ver jovens da comunidade sendo assassinados.

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"Começamos em 2016 depois das mortes de dois jovens moradores daqui da favela. Mas eles não foram os únicos. Nossa vida toda aqui tem histórias semelhantes", lembra Argentina.

"Tem uma hora que a dor fica insuportável. Dá uma revolta, um medo terrível de que o mundo seja só isso para eles e para nós. O que fizemos foi unir o espaço, os livros e as crianças".

Biblioteca é refúgio cultural no Pici

Desde então, a biblioteca se tornou um refúgio cultural e afetivo para crianças e adolescentes do bairro. Além do empréstimo de livros e da mediação de leitura, o espaço promove oficinas, saraus, cineclube e visitas a centros culturais, tudo de forma gratuita, voluntária e colaborativa.

"Crescemos aqui sem acesso a muitos direitos. E o direito cultural, tão importante e necessário quanto o direito à saúde, educação, segurança, nos fez muita falta", diz a gestora. "Vim acessar muita coisa depois de jovem, mais precisamente quando adulta".

A participação da comunidade sempre foi essencial. A própria mãe de Argentina, hoje com 80 anos, acolhe visitantes com café, tapioca e cuscuz. Mas a rotina da casa e as necessidades da matriarca passaram a exigir novos cuidados.

"Embora ela seja a maior incentivadora do projeto, minha mãe precisa de mais repouso, sossego, silêncio. E onde tem criança, o silêncio passa longe", afirma. "Agora é redobrar os cuidados com ela e cuidar da Papoco fora da casa dela, mas perto, bem pertinho. Pra que ela não sinta falta das crianças também".

As limitações do espaço atual, sem salas fechadas ou climatizadas, sujeito às condições do tempo e da infraestrutura doméstica, dificultam a continuidade das atividades.

"Todo começo de ano o período chuvoso nos impede de fazer as ações. Ficamos na mão do sol. Se ele vem, fazemos oficina. Se não vem, não fazemos", relata Argentina.

Além desses fatores, com o tempo, os adolescentes vão se afastando por não se identificarem mais com a proposta. "Se tivéssemos um espaço amplo com salas, teríamos uma agenda diferenciada para todos os perfis".

Solidariedadeque marca vidas

A Papoco não conta com apoio financeiro fixo de instituições públicas ou privadas. As contas básicas, como água, luz e internet, são mantidas com doações pontuais e o esforço constante de Argentina e sua rede de apoiadores.

O trabalho voluntário vai do braçal ao intelectual. "Varro o quintal e escrevo projetos para os editais. Faço o lanche, lavo a louça que fica suja depois das oficinas e também sento pra mediar a leitura de um livro", descreve.

Ela complementa ao afirmar que mediar não é somente ler para a criança: "É conversar sobre os sentidos, significados, escutar, naturalizar o que deve ser naturalizado e trazer à reflexão o que precisa ser questionado".

O que sustenta a Papoco, portanto, é a solidariedade. "Não temos dinheiro, mas não deixamos de fazer porque temos amigos, pessoas que conhecem o nosso trabalho voluntário e acreditam nele", afirma Argentina. Para quem constrói o projeto no dia a dia, o valor simbólico de manter o espaço vivo é imensurável.

"É assim que vivem todas as bibliotecas comunitárias de iniciativa popular: na base da autogestão, da autonomia e da solidariedade".

 

FORTALEZA-CE, BRASIL, 01-08-2025: Biblioteca Papoco de Ideias, da idealizadora Argentina Castro. (Foto: Fernanda Barros/ O Povo)
FORTALEZA-CE, BRASIL, 01-08-2025: Biblioteca Papoco de Ideias, da idealizadora Argentina Castro. (Foto: Fernanda Barros/ O Povo)

Em busca de uma sede nova

A campanha atual, hospedada na plataforma Abacashi até o dia 24 de agosto, busca arrecadar
R$ 190 mil para a compra de uma sede definitiva.

"Uma sede própria sempre foi um sonho que agora precisa sair do papel", afirma a antropóloga. "Executar, ver sair do plano das ideias e existir na nossa frente, dá muita alegria de viver".

A campanha da Papoco acontece no mesmo momento em que outras bibliotecas comunitárias da Cidade também lutam para seguir, como a Viva a Palavra, na Serrinha, que busca um novo lar.

"Ela é tão importante para aquele território quanto a Papoco é para este", pontua

O novo espaço sonhado por Argentina permitirá não só acolher as crianças com mais conforto e segurança, como também ampliar os horários de funcionamento, assim como o número de beneficiados e de projetos.

"Queremos acompanhar esse desenvolvimento intelectual", observa.  "Gosto de saber e pensa que seremos sempre uma referência de bons momentos, de um espaço alegre, criativo, afetivo e mentalmente estimulante".

 

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