Quando Millie vai apresentar Tim para um colega do trabalho, ela se enrola porque já não sabe se é namorado, noivo, marido ou se não passa de um parceiro. Outro dia, num raro momento de segurança, toma coragem para uma pergunta cruel: "A gente ainda se ama ou só estamos acostumados um com o outro?". Tim tenta acalmá-la, mas ele nunca parece seguro de nada que diz ou sente, sempre confuso, frágil e incapaz.
Então o que os faz estarem "juntos" há quase 10 anos? O que parece não passar de uma crise já tão retratada em livros, séries e filmes, porém, é o motor perfeito para uma coisa mais irreverente: um filme de terror.
Da noite para o dia, Tim começa a sentir uma atração voraz por Millie, fazendo-o seguir em direção a ela como se fosse um zumbi, embriagado e irracional. Quando ela começa a sentir algo parecido, ambos passam a ler pensamentos alheios e, de repente, estão entrando um no outro, literalmente. Carne com carne.
Diretor e roteirista de "Juntos", Michael Shanks é esperto por compreender as camadas de horror e comédia que há nessa trama e, principalmente, por saber atravessá-las de tal forma para que seu filme nunca soe tão sério assim.
Há signos do suspense e do terror, com direito aos temidos "jumpscares" e à tensão das "casas assombradas", mas ele os evoca com curiosidade, tensão e humor, tudo misturado.
Num beijo intenso, as bocas grudam. No toque das mãos, os dedos entram pelos braços. No sexo, as genitálias ficam presas: "será uma contração pélvica involutária?", ele pergunta.
Embora dolorosas, sensação bem construída visual e sonoramente, são cenas difíceis de não rir e que fascinam justamente pela estranheza. Por mais que essa união coercitiva de dois corpos pareça apenas a metáfora literal de um "relacionamento tóxico" na fantasia de um casamento "invasivo", o que faz este ser mesmo um filme memorável é o seu avesso.
Dave Franco e Alison Brie, casados na vida real, encarnam bem essa dupla que não consegue evitar a própria colisão. "Acho que se não sentíssemos que tínhamos um relacionamento saudável, nunca teríamos aceitado fazer esse filme", brincou Brie em entrevista ao NPR.
Com sua presença tendo evidência apenas no terço final, o roteiro dá mais espaço para Franco, que consegue construir um personagem interessante pelo oposto da força e da virilidade, dedicado à vulnerabilidade como objeto central da performance.
Apesar da diversão e da atmosfera envolvente, o que pesa contra o filme é a obviedade do percurso e a exploração muito reduzida da sua própria irreverência - afinal, o fenômeno assustador que os une só consegue explodir próximo ao fim de forma mais direta, discreta e rápida demais.
Talvez Shanks não estivesse tão seguro da estética violenta sob camadas espessas de computação gráfica, ou estivesse apenas preocupado em não transformar essa história numa espécie de "Jogos Mortais". Por outro lado, "Juntos" consegue estabelecer fugas muito interessantes: não é filme de fantasma, demônio, assassino ou maldição, e por isso mesmo muito fiel à natureza obscura do seu "grande mistério".
Quando Millie se acidenta e pinga sobre a mesa, porque o sangue escorre em direção a Tim como se tivesse vontade própria? A resposta é menos interessante do que a ironia final sobre o que pode acontecer aos casais mais apaixonados: no fim do dia, pode não haver tristeza, doença, pobreza ou morte… que os separe.