"Eu não sou melhor", disse Gero Camilo ao subir no palco do 53º Festival de Cinema de Gramado para agradecer seu Kikito de Melhor Ator, vencido pelo papel no longa "Papagaios", de Douglas Soares.
No tom da sua voz, longe da soberba e do orgulho, existia carinho e sinceridade: "Ninguém é melhor que ninguém. Eu sou um destaque, de um festival que representa uma narrativa política, de um momento que estamos vivendo e que é efervescente para o cinema brasileiro. Então vamos parar de falar 'Melhor'? Obrigado pelo destaque e pelo meu trabalho!".
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Quando desceu do palco, talvez ele tenha se lembrado da pergunta que seu próprio personagem executa no filme quando tenta explicar para o entrevistador por que ele faz o que faz: "Você vai ser lembrado pelo quê?".
Na trama escrita por Douglas Soares e Humberto Carrão, ele interpreta um "papagaio de pirata", Tunico, que tem dedicado toda a sua vida a aparecer nos ombros de repórteres de rua no Rio de Janeiro para ficar famoso e "ser lembrado".
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Até o fim da cerimônia de premiação em Gramado, os próprios apresentadores começaram a desviar do prefixo de "Melhor" atribuído a cada um dos troféus seguintes. Virou assunto. Aos 54 anos, presente também no teatro, na música e na literatura, Gero já sabe que seu trabalho será lembrado para sempre.
Mas apesar de papéis memoráveis no cinema e na televisão, talvez nenhum deles tenha tido tanto "destaque" quanto esse senhor tragicômico que ele interpreta em "Papagaios". Então, esse Kikito tem um sabor especial que estava premeditado, desenhado, esperando acontecer. O filme venceu ainda Melhor Direção de Arte, Melhor Desenho de Som e o elétrico Melhor Filme pelo Júri Popular.
Outra forte emoção tomou o palco com a vitória da alagoana Aline Marta Maia como Melhor Atriz Coadjuvante por seu papel em "A Natureza das Coisas Invisíveis", de Rafaela Camelo. Aos 63 anos, a atriz vem vivendo um momento de forte reconhecimento da carreira: no Festival do Rio venceu o Troféu Redentor por dois anos consecutivos, por seus papéis em "Carvão" (2022) e "Pedágio" (2023).
Na trama do longa brasiliense, ela interpreta uma senhora com Doença de Alzheimer num momento derradeiro da vida. Aline vibrou a audiência de Gramado não só nas cenas mais difíceis e ásperas, mas principalmente quando ela se veste de carinho. Contracenando com Camila Márdila, ela acalenta sua bisneta sem saber quem ela é.
Sutil e silenciosa, a cena arrancou lágrimas e suspiros que aquela plateia muito dificilmente será capaz de esquecer. O drama venceu ainda Melhor Trilha Musical e o Prêmio Especial do Júri.
De cadeira de rodas por conta da sua mobilidade, a atriz comemorou emocionada: "Quero agradecer a confiança da minha querida diretora por ter me dado esse presente que foi essa bisavó maravilhosa. Quando eu li esse roteiro, mesmo com minha agente dizendo para eu ter calma, eu tinha certeza de que aquele papel era meu, que aquela bisavó era minha".
Também aconteceram outros fatos interessantes, como o paranaense "Nó", de Laís Melo, vencendo Melhor Direção, Melhor Fotografia e o Prêmio da Crítica, ou Malu Galli vencendo Melhor Atriz por segurar drama e humor na frágil fábula gótica do Miguel Falabella.
Mas foram vistas algumas ranhuras, como a rasa ação policial "Cinco Tipos de Medo", de Bruno Bini, vencendo Melhor Filme e Melhor Roteiro, mesmo reciclando caricaturas de "polícia e ladrão" com personagens sem qualquer profundidade.
Os vencedores do Festival de Cinema de Gramado, evento realizado na Serra Gaúcha, foram anunciados no último sábado, 23. O POVO realizou cobertura ao longo dos dez dias de evento - que começou em 13 de agosto - com conteúdo nas redes sociais, no Portal O POVO e nas páginas do Vida&Arte.
Quando eu pensar nos vencedores do 53º Festival de Cinema de Gramado, evento que sabe ser tão acolhedor e até mágico diante da congelante imersão na Serra Gaúcha, entretanto, vou lembrar do cearense Gero Camilo e da alagoana Aline Marta Maia tendo seus trabalhos celebrados após os 50 anos; da paraibana Marcélia Cartaxo vencendo o Troféu Oscarito; do alagoano Luciano Pedro Jr. agradecendo aos Orixás no palco; da piauiense Fernanda Silva afirmando sua voz como uma artista trans; da baiana Urânia Munzanzu vencendo o Prêmio Canal Brasil de Curtas; do pernambucano Gabriel Mascaro emocionado ao estrear "O Último Azul", seu filme vencedor do Festival de Berlim. Quando eu pensar no 53º Festival de Gramado, eu vou lembrar do Nordeste.
O jornalista e crítico de cinema Arthur Gadelha viajou a convite do 53º Festival de Cinema de Gramado.