Há exatos 50 anos, o jornal The New York Times publicou, na edição do dia 6 de agosto de 1975, um obituário em sua primeira página. Não era a primeira vez, tampouco seria a última, mas aquele necrológio chamou a atenção por ser de um personagem fictício: Hercule Poirot.
No Brasil, o Jornal da Tarde também prestou homenagem ao detetive belga. "Poirot não morreu de morte natural. Quem o matou foi Agatha Christie", anunciou a nota de falecimento, referindo-se à escritora inglesa popularmente conhecida como "Rainha do Crime".
Os anúncios faziam referência à publicação de Cai o Pano, que chegou às livrarias no dia 15 de outubro de 1975. "Raras vezes Poirot foi tão brilhante", afirma Jean Pierre Chauvin, doutor em Letras pela Universidade de São Paulo (USP) e autor do livro Por que ler Agatha Christie (2024). "O obituário comprova sua relevância. Foi capaz de romper os limites da ficção."
Embora tenha sido publicado em 1975, Cai o Pano foi escrito na década de 1940. Durante a Segunda Guerra, Agatha Christie escreveu Cai o Pano, O último caso de Hercule Poirot, e O Crime Adormecido, o derradeiro mistério de Jane Marple - seus dois personagens mais famosos.
Em sua autobiografia (1977), ela confessa que escreveu Cai o Pano pensando em Rosalind Hicks, sua filha única, e O Crime Adormecido em Max Mallowan, seu segundo marido. Por precaução, trancou os dois originais no cofre de um banco. A ideia era publicá-los só depois de sua morte.
Cai o Pano, porém, foi publicado no dia 15 de outubro de 1975, 89 dias antes de sua partida, no dia 12 de janeiro de 1976. O Crime Adormecido foi lançado postumamente, em 1976.
"Meio século depois, Agatha Christie continua insuperável. Não há 'herdeiros' à sua altura", prossegue Chauvin. "Sua obra não se reduz ao jogo de gato e rato. Retrata as contradições do ser humano."
Sucesso no Brasil
Apesar de nunca ter ido ao Brasil, o País é um dois únicos do mundo que possuem embaixadores de Agatha Christie, além dos Estados Unidos. O brasileiro é Tito Prates; o americano, Christopher Chan. Ambos foram nomeados por Mathew Prichard, filho de Rosalind e neto de Agatha.
"Como embaixador, sou responsável por divulgar e fiscalizar a obra dela em nosso país", afirma Prates, autor de "Agatha Christie - Uma Biografia de Verdades" (2022). "Houve editoras que tentaram burlar direitos autorais e peças que foram produzidas sem licença".
Todos os anos, Agatha Christie vende, segundo estimativas da empresa que administra sua obra, 4 milhões de livros. Só no Brasil, sua obra é publicada por três editoras: Harper Collins, L&PM e Globo Livros.
Sua obra está disponível em audiobooks e graphic novels. "Continua a servir de inspiração para muitos autores. Se hoje temos Freida McFadden e Gillian Flynn é porque, um dia, tivemos Agatha Christie", afirma Amanda Orlando, da Globo Livros. "Nenhuma outra abriu tantas portas".
No Brasil, o escritor e roteirista Raphael Montes é o primeiro a admitir que a autora que mais influenciou sua escrita foi Agatha Christie. Quem o apresentou à "Rainha do Crime" foi sua tia-avó, Iacy, quando ele tinha 12 anos. Antes disso, seu autor predileto era Arthur Conan Doyle, o criador do detetive inglês Sherlock Holmes.
"Foi com Agatha Christie que aprendi a colocar pistas ao longo da história e, ao final dela, surpreender o leitor com uma grande virada", explica o autor de "Suicidas" (2012), "Dias Perfeitos" (2014), "Bom Dia, Verônica" (2016) e "Uma Família Feliz" (2024).