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MCs de batalha de rima nordestinos constroem carreira em São Paulo
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MCs de batalha de rima nordestinos constroem carreira em São Paulo

MCs de batalha de rima nordestinos constroem carreira em São Paulo e voltam os holofotes da cena para a Região Nordeste
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Tonhão organizou uma batalha da Cururu Skate e Rap, de Fortaleza, no Sana 2022 (Foto: Reprodução/ Heberth Borges)
Foto: Reprodução/ Heberth Borges Tonhão organizou uma batalha da Cururu Skate e Rap, de Fortaleza, no Sana 2022

A migração nordestina para o Sudeste, especialmente para São Paulo, faz parte da história. No livro "Quando Eu Vim-Me Embora, o pesquisador Marco Antonio Villa registra esse processo falando sobre pessoas que ajudaram a transformar a capital paulista na maior metrópole da América do Sul a partir da narrativa de imigrantes da Região Nordeste, com foco nas décadas de 1930 a 1950.

O método é antigo, mas não superado. Como processos históricos costumam resvalar no presente, o IBGE apontou a existência de 6,8 milhões (65.5%) de nordestinos residindo na Região Sudeste no Censo 2022. Em busca de alavancara carreira, MCs de batalha de rima do Ceará, de Pernambuco e da Bahia dão continuidade a esse movimento retirante.

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São Paulo é o centro das oportunidades para quem quer tirar sustento do freestyle. Nos estados nordestinos, fazer rimas de improviso, geralmente em cima de um beat, ainda não é uma possibilidade de viver. Trabalhando com batalhas há dez anos, Maria Helena, conhecida como Dinda ou María Dinda, é organizadora da Batalha do Trombone, em Recife.

Para ela, a Batalha da Aldeia (BDA), de São Paulo, é a precursora na profissionalização das batalhas. Com sede no município de Barueri, Dinda atribui à localização da BDA o favorecimento de investimentos.

"Barueri é um centro comercial, é uma cidade com empresas, shoppings... E aí eles fizeram uma parada bem profissional em um lugar que tinha gente pra investir, explica, Ela acompanhou o processo de mudança de alguns MCs.

A organizadora da Batalha do Trombone também credita a estrutura à visão de negócios e marketing dos organizadores da Batalha da Aldeia que, ao lado das batalhas do Ana Rosa (BDAR), Leste e Norte, formam as maiores do Brasil, as chamadas "big four" "O que eu fazia dez anos atrás, não é o que os caras faziam nove anos atrás. Eles já filmavam toda edição, contabilizavam, inventaram o ranking. Todas as batalhas do Brasil hoje em dia tem ranking, todas", ressalta.

Mesmo as batalhas underground de São Paulo - isto é, as menos conhecidas, desembolsam premiações por meio do patrocínio de empresas pequenas."Por exemplo, a Batalha do Tucuruvi premiava 150, 200 contos cada edição, comenta Maria Dinda, Para que os estados nordestinos cheguem ao mesmo nível, ela diz, o caminho é realmente a profissionalização. E ver essa questão das parcerias com marcas das cidades, do estado. É o que eu tenho visto que tem funcionado, mesmo parcerias menores", diz, citando a BDAR como uma referência.

A batalha de rima de Tonhão MC

Em Fortaleza, o cearense Tonhão MC conta que em seis anos rimando não conseguiu ganhar um salário mínimo.Japa, MC da Bahia, é categórico ao afirmar: "Não tem como você viver de batalha fora de São Paulo, é impossivel, com o sonho de viver das suas rimas improvisadas, os dois MCs se mudaram para São Paulo e, hoje, conseguem se sustentar daquilo que ama.

Em uma casa do distrito Vila Sonia, na Zona Oeste de São Paulo, reside um retrato dessa realidade. Viviane Tomiello, a Tia Vivi, 46 anos, abriu as portas para abrigar MCs fora do eixo. Entre nordestinos, sulistas e interioranos de São Paulo, a corretora de imóveis mora com o filho e oito MCs. Além de Japa (BA) e Tonhão (CE), dividem o teto Vinícius ZN (PE), Vitu (PE), Gomes (DF), Yoga (BA), PH (RS) e Tubarão (SP).

Conhecida como a "mãe dos fora do eixo", Viviane conta que a cultura hip hop sempre a agradou. Quando seu filho Thomi, 21 anos, começou a se interessar e participar das batalhas de rima, ela ia buscá-lo e passou a frequentar os eventos, fazendo amizade com organizadores e MCs, sobretudo os da Baixada Santista. Eles iam a São Paulo rimar e, às vezes, não tinham onde dormir. Assim, ela começou a abrigá-los.

O primeiro a morar na casa foi um fora do eixo, o MC baiano Yoga. Quando viu a rifa que ele estava divulgando para arrecadar dinheiro para viajar para São Pauli, disse: "A minha casa é a sua casa. Vivi descreve a sensação de que recebeu "um chamado" de ajudar jovens que, assim como seu filho, sonham em ganhar a vida por meio da palavra.

"Tinham outros lugares, mas era muito precário. De verdade, os meninos dormiam no chão, às vezes não tinha nem um lençol para por no chão. Eles passaram muito! Todos eles, acho que passaram muito disso", relata a corretora de imóveis, que hoje trabalha como produtora de MCs. A casa de três quartos, pertencente à família de Viviane Tomiello, acabou por tornar-se o núcleo dos fora do eixo.

Unidos pela experiência parecida de encarar a saudade de casa pela gana de rimar, eles se enfrentam nas batalhas sempre que precisam, mas levantam a bandeira dos fora do eixo, treinam juntos, torcem uns pelos outros e enfrentam perrengues comuns à vida de retirante.

As piadas com os sotaques e as referências estereotipadas da Região Nordeste, por exemplo, são tão comuns quanto comentários como “lá é fácil ganhar estadual, desmerecendo os títulos de MCs do Nordeste.

"Eu não acho que é mais fácil. Eu acho só que eles não conhecem, eles não querem sair das suas bolhas pra saber o que é que há l, defende Dinda. "Até que as pessoas entendam e aceitem a forma que o Vitu rima, foi difícil, E, ainda hoje tem muito hater por ser do Nordeste e ter o sotaque, para alguns aqui do eixo Rio-São Paulo, acham até que às vezes eles são caricatos por isso" exemplifica Viviane.

Para Dinda, os meninos (do Nordeste) são muito mais criativos", "Eles têm estilos diferentes, os fora do eixo todos, mas eles são mais criativos que os MCs do eixo. Todos buscam esse estilo próprio, essa criatividade, esse jeito inventivo", diz.

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