Blecaute, Aldemir Martins, Bárbara Banida, Sérgio Gurgel, Arrudas, Navegante Tremembé, Charles Lessa, Gi Monteiro, Rian Fontenele, Jane Batista, Zé Tarcísio e outros artistas cearenses de várias fases e expressões estiveram lado a lado durante cinco dias, em São Paulo, durante a SP-Arte Rotas.
A feira - uma produção da SP-Arte, maior evento do ramo na América Latina - objetiva mostrar a pluralidade da produção brasileira.
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A presença cearense em pinceladas, texturas e formas se revelou em quatro expositores: Cave Galeria, Galeria Leonardo Leal, Galeria Mayer Mizrahi e Pinakotheke Cultural. Juntas, as quatro instituições levaram mais de 20 artistas cearenses ou radicados no Ceará para as paredes da feira.
"O Ceará que está sendo apresentado em São Paulo não é uma vitrine turística nem uma paisagem folclórica: é um Ceará múltiplo, insubmisso, povoado de sonhos, assombrações e memórias", destaca Lucas Dilacerda - pesquisador e responsável pela curadoria do acervo proposto pela Cave Galeria - instituição que participa do evento pela primeira vez.
"É o Ceará das cosmologias indígenas, das fabulações queer, dos bestiários fantásticos, das imagens oníricas que resistem ao colonialismo e ao apagamento", pontua Lucas, ressaltando que o intuito do projeto desenvolvido pela instituição foi desbravar um "Ceará que não se deixa reduzir a rótulos, mas que se coloca em diálogo com o Brasil e com o mundo a partir da sua singularidade".
"É um sentimento único ver que não estou neste movimento sozinho, que estou podendo falar sobre meus amigos, sobre minhas referências de Fortaleza que inúmeras vezes são desvalorizados, compreendendo a importância da arte enquanto ferramenta política", explica o artista cearense Blecaute, presente no estande da Cave com duas obras: "Por que agora eu temeria?" e "Ainda tenho quem ore por mim".
Ele celebra a participação e reforça o sentimento de coletividade quando vários cearenses ocupam o mesmo grande espaço: "Cada cabeça é um universo. A meu ver, a importância de meu trabalho estar neste espaço é não me compreender como fim, mas sim como meio. É um campo de possibilidades para o discurso político e para trazer outros corpos como o meu para este meio".
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Da mesma forma que a Cave Galeria apresentou o projeto denominado "Território Onírico", as outras 64 instituições participantes do evento levaram coleções construídas a partir de curadorias e conceitos dialogados.
A partir de um longo fio condutor - explica Fernanda Feitosa, idealizadora e diretora da SP-Arte - são selecionadas as instituições aptas a participar do evento. "Nós estamos buscando os vários 'Brasis' que estão no nosso Brasil", pontua.
Apesar de não ter um tema obrigatório a ser assimilado, prossegue Fernanda, o edital de seleção da feira é lançado formalmente e seleciona galerias que estejam aptar a oferecer "novas angulações".
"O coração do mercado de arte no Brasil acontece em São Paulo, né? Se estabelece em São Paulo…. Então, é muito importante conhecer melhor os trabalhos, os artistas e as galerias que estão atuando nos estados mais distantes", elucida. Nesta edição, são 12 estados participantes - além de inserções da Argentina e da Amazônia Peruana.
Além de estabelecer uma grande exposição e um momento de encontro com obras que não são facilmente encontradas em museus públicos - mas apreciadas somente em coleções particulares -, a SP-Arte Rotas é, sobretudo, uma oportunidade para fechar negócios. O cearense Leonardo Leal, da galeria homônima, ressalta que boa parte do catálogo começa a ser negociada nos dias anteriores ao evento - quando os colecionadores já partem em busca dos acervos.
Participante da feira em outras oportunidades, Leonardo escolheu nomes como Artur Bobonato e Arrudas para o recorte deste ano. "A Rotas é uma feira menor, mas que procura direcionar o olhar para as galerias de fora do eixo. Então, a gente conseguir ter essa presença maior de estados que não são habitualmente tão percebidos nas feiras grandes, onde eles acabam diluídos pela própria dimensão. Aqui, nós acabamos ganhando protagonismo", elucida o galerista.
*A jornalista viajou a convite da SP-Arte.
Duas feiras, duas propostas
A SP-Arte, evento realizado tradicionalmente em abril, é a maior celebração da compra e venda de obras na América Latina. Com mais de duas décadas de existência, a feira é responsável por movimentar cifras milionárias.
Já a SP-Arte Rotas é um evento paralelo criado pela empresa para explorar a produção artística realizada ao longo do ano nos estados distantes do chamado "eixo Rio-São Paulo" - atraindo a presença de novos galeristas e ampliando o leque de possibilidades para os compradores. Em 2025, a feira foi realizada no Espaço Arca, em São Paulo, entre os dias 27 e 31 de agosto.
Os cearenses em São Paulo
Pinakotheke Cultural
Especializada em arte brasileira, a Pinakotheke Cultural tem braços atuantes no Rio de Janeiro e em São Paulo. Em Fortaleza, entretanto, assume a identidade Galeria Multiarte. Capitaneada por Max Perlingeiro e Victor Perlingeiro, a instituição levou um recorte nacional dos anos 1960 para a SP-Arte Rotas.
"Quando o Brasil experienciou esse pop, que se chama Nova Figuração Brasileira, é um pop mais político. Então, o nosso estande tem um uma coesão e uma curadoria", explica Victor Perlingeiro em entrevista ao O POVO durante o evento.
Galeria Leonardo Leal
Veterana no evento, a Galeria Leonardo Leal investiu em nomes como Arrudas e Artur Bobonato para o Rotas Brasileiras. Dentro da proposta - que reuniu sete artistas cearenses - um movimento que vai da abstração para a delicadeza fantástica.
Cave Galeria
Quinze artistas foram levados pela Cave Galeria dentro do projeto "Território Onírico". Com curadoria do crítico de arte Lucas Dilacerca, a iniciativa comportou nomes como Blecaute, Charles Lessa, Júlio Jardim e Navegante Tremembé.
"Não foi meramente uma seleção formal, mas um exercício de escuta — escuta do inconsciente, da ancestralidade e das urgências que atravessam os corpos e territórios que habitamos. Não me interessava apenas reunir nomes, mas provocar encontros", pontua Lucas.
O encontro com Aldemir Martins
Um dos acervos que mais chamou atenção nos corredores da feira foi o apanhado de obras do pintor Aldemir Martins (1922-2006) levados pela Galeria Mayer Mizrahi. Instituição de São Paulo, lugar onde o artista cearense passou os últimos anos de vida, a galeria reuniu desenhos feitos na fase de "consagração". Na década de 1950, Aldemir recebeu a condecoração de melhor desenhista internacional na Bienal de Veneza - evento até hoje celebrado como
um dos principais para o campo cultural.
"Seu traço, inspirado na renda, na palha e no cotidiano do Ceará, surpreendeu o júri por sua originalidade e força poética", explica Denise Mattar, pesquisadora e curadora do recorte apresentado pela Galeria Mayer Mizrahi na SP-Arte Rotas, no texto de apresentação do acervo.
Segundo Fernanda Feitosa, criadora da SP-Arte, um dos intuitos do evento é realizar o reencontro do público com artistas que estão distantes do circuito comercial. É o caso de Aldemir, ela pontua, e também da obra do cearense Zé Tarcísio exposta pela Pinakotheke Cultural.
Uma apreciadora em especial passou pelo estande da Galeria Mayer Mizrahi: Mariana Martins, filha de Aldemir. Criadora da Galeria Choque Cultural, baseada em São Paulo, ela relatou ao O POVO a alegria de encontrar tantas obras do pai que há tempos não estavam reunidas.