Entre o aroma doce da garapa e o sabor intenso da cana, a rapadura se mantém viva na memória afetiva do Ceará. Blocos que vão do tamanho de bolso aos mais generosos, simples ou com coco, castanha ou amendoim, carregam consigo histórias de infância, festas juninas e tardes no mercado, preservando uma tradição que atravessa gerações.
O surgimento da rapadura acompanha a chegada da cana-de-açúcar ao Nordeste, ainda no período colonial. A partir da garapa fervida até o ponto de bala, a iguaria ganha forma ao ser moldada em blocos.
Essa técnica artesanal permitiu que a rapadura se espalhasse como alimento acessível e nutritivo, essencial para trabalhadores do campo e famílias do interior. Ao longo dos séculos, o doce ganhou diferentes formas e combinações, como rapadura com coco, castanha ou amendoim, tornando-se não apenas um alimento, mas também um símbolo cultural e afetivo do Nordeste.
Para Vanessa Sousa, consultora de gastronomia do Senac Ceará, a rapadura vai além do doce. "Representa resistência, criatividade e memória de gerações", enfatiza.
Sobre sua relevância atual, acrescenta: "Mesmo incorporada à confeitaria e à coquetelaria, ela mantém sua identidade e continua sendo um símbolo da cultura alimentar nordestina".
Segundo ela, a iguaria mantém seu uso tradicional, pura, raspada no feijão ou dissolvida em água com farinha, e hoje circula também em receitas contemporâneas, da confeitaria à coquetelaria, sem perder sua essência. Mesmo diante de doces industrializados e com referências de outras culinárias, como a francesa, o consumo da rapadura permanece firme no Ceará.
Francisco Bismânio vende a iguarIa há 22 anos
No Mercado São Sebastião, a iguaria circula entre mãos que conhecem cada textura, cada tonalidade, e cada valor: de R$ 2 a pequenas unidades, até R$ 18 em rapaduras maiores, como a versão com coco e castanha vendida por Francisco Bismânio Cruz.
Com 22 anos de experiência, ele administra o box "Socorro - Produtos Naturais e Regionais", ao lado da esposa e lembra da infância no interior e da rapadura como alimento essencial.
"Quando chegava a produção, as crianças iam buscar. Era uma festa, porque não podíamos comprar nada", recorda. Ele vende diferentes tamanhos e sabores, incluindo o tradicional, com coco ou castanha, e mantém a honestidade como segredo da qualidade: "A rapadura mais dura é a natural, sem açúcar; a mais mole leva açúcar".
Arara Azul
Dona Edna, do box “Arara Azul”, há 18 anos, reforça a constância das vendas e a preferência do público: “A rapadura sai o ano todo. Em festa junina, vende mais. Todas saem, mas a com coco é a mais procurada”, comenta, lembrando que a rapadura preta, feita da borra da cana, é valorizada por clientes em busca de benefícios para anemia ou amamentação.
Sobre clientes curiosos, ela lembra: “Uma vez uma cliente de Santa Catarina veio atrás da rapadura preta, encantada com a história e os benefícios do produto”. Seus preços variam a partir de R$ 2,50, dependendo do tamanho.
Box Supplementing
Já Dona Sônia, do box "Supplementing", no mercado há cinco anos, percebe uma nova tendência: jovens consumidores atraídos pelo caráter natural do produto. "Rapadura é mais saudável que chocolate ou bombom. A nova geração está aderindo", afirma.
Ela vende unidades que vão de R$ 2 a R$ 17, e também oferece doces de caju e goiaba, quebrando a ideia de que a rapadura é consumida apenas de forma tradicional. Sobre fornecedores e procedência, complementa: "Trabalhamos com rapaduras de Serra Grande, Baturité e Ibiapina, sempre do Nordeste", afirma.