Quando "O Último Azul" fez sua estreia brasileira no 53º Festival de Cinema de Gramado no começo de agosto, as atenções se voltaram para Rodrigo Santoro porque na mesma noite ele colocou suas mãos na Calçada da Fama e recebeu o troféu Kikito de Cristal em homenagem à sua carreira.
Apesar da mística ao redor da sua imagem estar pautada pela "beleza da juventude", ali mesmo ele também encarava sua chegada aos 50 anos, a idade-tabu em que os homens "envelhecem".
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O contexto soa até sarcástico diante do interesse que o filme tem em discutir justamente isso: quando a velhice é colocada à margem do disfarce.
"Desde quando alguém é homenageada só porque ficou velha?", resmunga a personagem quando encontra uma medalha na fachada de casa.
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Escrito por Gabriel Mascaro e Tibério Azul, a trama do filme encara essa discussão de frente: na distopia, os idosos não podem mais conviver em sociedade e são obrigados pelo governo federal a partirem para a chamada "Colônia".
Santoro faz uma participação breve como alguém ainda distante dessa condenação, mas o filme tem uma presença muito mais densa: Denise Weinberg. Aos 69 anos, a atriz tem grande marca no cinema, na televisão e, especialmente, no teatro - que confessa ser seu lugar favorito.
"Eu acho que a gente menospreza a autonomia do idoso, achando que ele virou criança de novo. A Tereza se indigna, ela é indignada, ela é rebelde. Eu acho essa rebeldia linda num idoso. O idoso fica chato porque tiram a rebeldia dele, e aí ele perde o interesse pela vida", comenta Denise em entrevista ao O POVO.
Na trama, ela interpreta Tereza, uma senhora que não aceita esse destino e escolhe fugir. Sem autonomia nem para comprar uma passagem de ônibus sem precisar de autorização da filha, sua única escolha é escapar na clandestinidade, escondendo-se pelas matas e rios da Floresta Amazônica.
Denise encontra um jeito especial de materializar esses sentimentos ao carregar na voz aflição e raiva, mas sem romper sua resiliência e uma ingenuidade quebradiça.
"O que me atraiu no filme nem foi a distopia, porque na verdade eu nem acho tanto distopia assim, sabe? Eu acho que é completamente possível isso acontecer", ela comentou quando lhe perguntei sobre o tom fabular da história.
"A ingenuidade da Tereza é abalada quando ela percebe que as pessoas também fazem coisas erradas. Ela vai percebendo que não é bem assim, que o mundo não gira assim no Brasil. Então ela vai atrás de dar a volta por cima. Acho isso lindo", comenta.
Em rota pelo País para participar de debates e exibições especiais, o diretor Gabriel Mascaro fala empolgado que o longa já tem distribuição garantida em 65 países: "Em setembro estamos entrando na França, na Alemanha e em Portugal. O filme começa agora também a ter uma vida em cartaz, que é um uma coisa muito especial. Foi vendido para a China, para a Hungria, para a Macedônia, Turquia...".
Ao comentar sobre o tom distópico da discussão etarista, Mascaro pontua sobre o impulso de criação para Tereza: "Se a gente pensa em fábula, distopia, coming-of-age, é como se o corpo rebelde fosse o corpo juvenil. No cinema, o corpo idoso, de alguma maneira, é negligenciado".
Ele acrescenta: "Quando se fala em velhice é a memória, o passado, é o tempo que já passou, é um corpo domesticado pela família. Pouquíssimos filmes dão espaço ou são escritos para esse corpo idoso, pouquíssimos".
Embora seja um filme até bastante tímido, "O Último Azul" parece uma resposta honesta no meio de tanto barulho. Nesse contexto cada vez mais veloz e refém da juventude, Tereza não nega a velhice nem quer ser o centro do palco ou mudar nada no mundo.
Depois de toda uma vida pisando no chão, da fábrica, da rua e da casa, Tereza só quer poder voar sem precisar que o tempo pare.
Quando a voz de Maria Bethânia explode em cena na canção "Rosa dos Ventos", de Chico Buarque, a jornada encontra o seu rumo catártico: "Numa enchente amazônica, numa explosão atlântica, e a multidão vendo em pânico, e a multidão vendo atônita, ainda que tarde, o seu despertar…".
Vencedor do Prêmio Especial do Júri no 75º Festival de Berlim e concorrente a uma vaga para representar o Brasil no Oscar de Melhor Filme Internacional, "O Último Azul" segue em cartaz nos cinemas brasileiros. Em Fortaleza, o longa segue em cartaz no Cinema do Dragão, no Cinemas Benfica e no UCI Kinoplex Iguatemi Fortaleza.