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O sexo está sumindo do cinema?
Vida & Arte

O sexo está sumindo do cinema?

Especialistas analisam a redução de cenas de sexo em filmes nos últimos anos
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Tipo Análise Por
Filmes
Foto: Leopardo Filmes/Reprodução Filmes "Ninfomaníaca" (2013)

No sábado, 6 de setembro, é celebrado o Dia do Sexo. A efeméride foi criada por uma marca de preservativos como parte de uma campanha de marketing, em 2008. A peça questionava por que, até o momento, não havia uma data para celebrar uma atividade fundamental para a concepção humana.

Embora tenha conquistado um espaço no calendário há 17 anos, o sexo tem perdido local nas telonas. É o que aponta uma pesquisa feita pelo jornal The Economist, em 2024. Os dados indicam uma queda constante em relação às cenas eróticas nas produções audiovisuais de Hollywood desde os anos 2000, com base em uma análise de 250 filmes de maior bilheteria.

Vários aspectos apontam para a redução desse tipo de cena nos longas, como o avanço do conservadorismo nos últimos anos nos Estados Unidos, segundo indica a doutora em Psicologia da Comunicação Samantha Claret Clapdeville: "Estamos vivendo um momento de crescimento do conservadorismo, em que cenas de sexo são repudiadas por questões morais e religiosas".

Além disso, a pesquisadora sugere que há impacto de fatores mercadológicos no declínio da representação de relações sexuais em narrativas cinematográficas. "Pois o fortalecimento das políticas de classificação etária leva os produtores e distribuidores a optarem por filmes que possam abranger mais público e cenas de sexo restringem os filmes a determinadas faixas etárias", pontua a também professora das disciplinas das áreas de Produção, Projetos e Realização da Universidade Federal do Ceará (UFC).

Marcelo Magalhães, professor de Literatura da UFC e especialista em Cinema Brasileiro, também observa que essa redução se dá devido a influência do mercado. "(Tem) um cuidado dessa indústria para chegar a mercados mais fechados, como o mercado chinês, por exemplo, que não tolera tão facilmente a representação do sexo como acontece no cinema ocidental", complementa.

O cineasta cearense Rosemberg Cariry debate que esse declínio ultrapassa a simples expansão de mercado, mas visa o lucro a todo custo. "O cinema hollywoodiano é uma indústria hegemônica e capitalista poderosa, sempre a serviço dos interesses do grande capital e de ideologias obscuras", afirma o responsável por longas como "Mais Pesado é o céu" (2023).

"Há momentos em que a superexposição dos corpos gera lucro; em outros, o moralismo religioso se impõe da forma mais conservadora. Nada disso é mediado por uma ética, mas pelas leis do comércio. De todo modo, o capitalismo neoliberal busca controlar os corpos como forma de dominação política", continua o caririense nascido em Farias Brito.

A diminuição dessas cenas acompanha um incômodo do público em ver sexo como parte do enredo de filmes. O desconforto das pessoas com o sexo nas telonas, principalmente da geração Z, é visto por Marcelo como algo fruto do excesso de nudez nas redes sociais. "Essa pesquisa, ela aponta para uma percepção de que esses espectadores mais jovens têm uma noção de que as narrativas são mais interessantes, consistentes e relevantes quando não trazem a representação do erotismo", explica o pesquisador.

O cineasta pernambucano Fábio Leal também tem percebido essa diminuição das cenas eróticas ao longos do anos. "Veio com força essa noção nesses últimos dez anos, assim, principalmente no Twitter, mas não só. É essa ideia de que a cena de sexo só pode existir se for para avançar a narrativa", conta o diretor de "Seguindo Todos Os Protocolos" (2022).

Para ele, existe uma contradição sobre a presença de cenas de sexo só serem permitidas caso adicionem algo a narrativa. "Por exemplo, uma cena de perseguição de carro ou de naves ou de explosões ou de luta, ela deixa de avançar a narrativa, tanto quanto uma cena de sexo pode avançar ou não. A gente tem sequências de 10, 15 minutos de perseguição de naves e tudo mais e não vejo ninguém reclamando sobre isso", provoca.

Docente do curso de Cinema e Audiovisual da UFC, Samantha Claret Clapdeville, por outro lado, enfatiza que é preciso responsabilidade na execução das cenas. Uma vez que essas representações impactam comportamentos no mundo real. "Quando é utilizada nos filmes de forma 'gratuita', cuja presença não seja imprescindível pela narrativa, contribui para uma objetificação de um corpo feminino em sua maioria, contribuindo inclusive para violências de gênero", argumenta.

A acadêmica discute que por vivermos numa sociedade machista, homens são incentivados a explorar a sexualidade, enquanto as mulheres são ensinadas a reprimir os próprios desejos. No entanto, ela não acredita que o melhor caminho seja a diminuição ou exclusão total das cenas de sexo das narrativas.

"Por outro lado, acho importante o cuidado na escolha, para que as cenas de sexo sejam realizadas quando de fato fazem parte da narrativa como em filmes como 'Ninfomaníaca', 'Calígula' e até mesmo o mais recente 'Anora'. É muito importante que a sexualidade seja retratada e debatida", finaliza.

Imagem do longa-metragem cearense
Imagem do longa-metragem cearense "Praia do Futuro"

Cinema Brasileiro = Sexo e p*taria

O sexo também é algo que afasta a audiência de filmes nacionais. O senso comum reduz os longas-metragens brasileiros a sexo, drogas e violência. Fato ou não, o julgamento acaba colocando as produções do País num patamar inferior, por abordarem a realidade nas telonas.

Apesar do senso comum, o cinema nacional mantém uma relação distinta com o sexo em relação a Hollywood. Para o professor Marcelo Magalhães, da Universidade Federal do Ceará, há um desprendimento por parte do nosso audiovisual no que diz respeito à presença de cenas de sexo nas obras cinematográficas.

"É claro que, no cinema brasileiro, os grandes cineastas fazem um cinema fundamental para a gente conhecer a realidade mais a fundo. Mas, é obviamente e sensivelmente diferente quando a gente pensa nessa grande indústria norte-americana", argumenta o estudioso de cinema brasileiro.

O também professor de Literatura acredita que a despreocupação em abordar o erotismo no audiovisual brasileiro se deve a diferença na abordagem mais mercadológica presente nas obras hollywoodianas. "Creio que o nosso cinema não tem essa pretensão comercial tão ampla como a do cinema hollywoodiano", afirma o docente.

"Ou seja, é claro que há uma preocupação de que os filmes produzidos aqui cheguem no maior número de pessoas, mas isso é menos determinante do que a gente pode perceber na indústria hollywoodiana", explica Marcelo, que possui uma pesquisa de pós-doutorado chamada "Modernismos na tela do cinema moderno", concluída em 2020, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

O cineasta, ator e roteirista Fábio Leal salienta que não é possível comparar a quantidade de sexo entre as obras brasileiras e hollywoodianas, dado o caráter comercial da segunda. Mas, o artista tem notato uma diminuição nas cenas de sexo das comédias nacionais mais recentes.

"Então, se a gente for pegar esse recorte de um cinema comercial, no cinema brasileiro também não existe sexo, nas comédias brasileiras recentes têm cada vez menos sexo", ilustra o diretor de "Seguindo Todos Os Protocolos" (2022). Para ele, há uma certa contradição, uma vez que o Brasil já foi o "país da pornochanchada".

União das palavras "pornô" e "chanchada", a pornochanchada foi um gênero do cinema brasileiro desenvolvido entre as décadas de 1960 e 1970 com narrativas que fugiam dos bons costumes e apresentavam o erotismo de modo disruptivo. "Naquele momento em que a sexualidade estava entrando num processo de se libertar de certas opressões morais, o cinema naturalmente trouxe essa representação com muito cuidado", destaca Marcelo.

Embora as pornochanchadas tenham sido emblemáticas para o audiovisual nacional, Fábio observa um distanciamento entre o gênero e os enredos atuais. "Noto de grande parte do cinema brasileiro uma necessidade de se distanciar da pornochanchada, o que eu acho um erro. É um gênero genuinamente brasileiro e acho que tanto o sexo quanto a comédia e o humor revelam coisas que talvez o hiperrealismo não consiga revelar sobre a gente, sobre o país, sobre a forma como se vê o mundo", enfatiza Fábio.

Não tirem as crianças da sala

Por Raquel Aquino,jornalista

Onde foram parar as cenas de sexo nas produções para a TV? Quem continua falando sobre isso em rede nacional? Mesmo que o avanço da internet seja expressivo como fonte de informação no Brasil, ainda é a televisão o principal meio de acesso no País.

Não à toa, por muito tempo, era por meio de programas de televisão que alguns assuntos eram explicados a crianças e adolescentes, incluindo ética, direitos básicos e sexualidade. Historicamente, a TV é um suporte educativo e formador de opinião. Sendo assim, por que não se fala mais sobre sexo na tela?

Até poucos anos, tínhamos o programa "Amor e Sexo", apresentado por Fernanda Lima, que falava sobre forma educativa e divertida para jovens e adultos — o programa esteve no ar até 2018, época em que sofreu boicotes da direita conservadora. Também acabou na Globo, em 2020, a novela "Malhação", espaço que se consagrou por discutir assuntos "tabu" entre adolescentes, incluindo descobertas da sexualidade.

Nas novelas, discussões sobre sexo parecem ter se esvaziado, cenas que sugerem contato erótico também. Mas, sendo os folhetins um reflexo da sociedade, por que todas as transas se tornaram caricatas ou extremamente românticas?

Até para os adultos a história fica confusa. Será que todos fazemos sexo errado por não parecer com os românticos casais da TV? Será que transamos errado porque nossa transa não parece com a dos protagonistas da novela? Como pode um folhetim tratar das diferentes expressões sexuais da sigla LGBTQIAPN sem sequer insinuar que pessoas não-heterossexuais também fazem sexo?

A onda moralista parece querer apagar nas telas o que para quase todo mundo é natural: sexo. Mas usar o audiovisual para fortalecer o discurso de que transar é "fazer amor" é afastar a TV do seu papel educativo. 

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