Em setembro de 2013, eu entrava no Cinema do Dragão pela primeira vez para assistir ao documentário de um cineasta que, àquela altura, não conhecia: Gabriel Mascaro. Estavam em cartaz quatro filmes cearenses: "Mãe e Filha" de Petrus Cariry, "Cine Holliúdy" de Halder Gomes, "No Lugar Errado" de Guto Parente, Luiz Pretti e Pedro Diógenes, e "Doce Amianto" do Guto com Uirá dos Reis.
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Completavam a programação filmes brasileiros, incluindo "Elena" de Petra Costa e "O Som ao Redor" de Kleber Mendonça Filho. Em 2025, 12 anos depois, todos esses cineastas estão em evidência no circuito artístico: "O Último Azul" (Mascaro), "C.I.C - Central de Inteligência Cearense" (Halder) e "A Praia do Fim do Mundo" (Petrus), inclusive, estão em cartaz hoje, juntos no mesmo cinema.
Naquela semana de 2013, passavam filmes da Bielorrússia, França, Portugal, EUA, Espanha, Tailândia, Itália e Argentina. Tinha Apichatpong, Sofia Coppola e até Fellini. Aqueles longas não estavam sendo exibidos em nenhum outro cinema da cidade. Começo esse texto pelo início do Cinema do Dragão porque celebrar seus 12 anos é lembrar do seu compromisso curatorial que sempre foi notável no impacto de como sua plateia percebe o mundo, independentemente das mudanças na direção, estrutura e programação do equipamento.
Após parceria com Salomão Santana, como esquecer o empenho de Pedro Azevedo na construção da Mostra RetroExpectativa, até hoje um dos eventos mais importantes do ano pela reunião de filmes exibidos e outros que ainda vão estrear. Lembro de sair atônito da exibição de "Memória" (2021), do tailandês Apichatpong Weerasethakul, sessão única em Fortaleza negociada com a Mubi.
Anunciando como um "projeto de expansão" em 2022, a instituição trouxe para o cargo Kênia Freitas, influente pesquisadora sobre afrofuturismo e cinema negro, fazendo com que seu trabalho aproximasse a programação de cinemas africanos. Em 2023, o Dragão celebrou os 100 anos de nascimento de Ousmane Sembène, diretor senegalês, trazendo até Janaína Oliveira para apresentar as sessões. Em qual outro cinema da cidade eu poderia ter assistido "Moolaadé" (2004)?
Naquele mesmo ano, uma mostra em parceria com a Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine) exibiu dois clássicos modernos do Ceará: "Rânia" (2012), da Roberta Marques, e "Medo do Escuro" (2015), de Ivo Lopes Araújo, sessão memorável com música ao vivo. Filmes que olham para margens de Fortaleza e nos fazem pensar sobre quem ocupa essa cidade.
O projeto deu continuidade com a vinda de Fábio Rodrigues Filho, o curador atual. Mantendo o diálogo com a classe artística, avançou em outras fronteiras ao valorizar os curtas-metragens para apresentar trabalhos menos vistos de cineastas brasileiros. Em 2024, a programação "Transversal" experimentou reunir curtas e longas comerciais, trazendo recorte de filmes árabes dirigidos por mulheres.
Sem o Cinema do Dragão, o pensamento da cinefilia em Fortaleza seria diferente, cada vez mais refém dos exibidores dos shoppings e pautado pela cultura esmagadora dos EUA. Como o último cinema de rua com programação comercial, ele cumpre papel crucial ao fazer com que a sociedade olhe para si e perceba que nós fazemos parte do mundo. Assim como o cinema, às vezes parece mágica.