A resistência de mulheres ao regime da ditadura civil-militar no Brasil (1964-1985) é tema da recém-chegada exposição "Mulheres em Luta! Arquivos de memória política" na Galeria da Liberdade, em cartaz até 1º de novembro. Itinerância do Memorial da Resistência de São Paulo, a exibição parte do recorte do acervo de história oral da instituição, abordando a luta nesse período a partir da perspectiva de gênero.
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"A exposição traz as histórias de vida dessas mulheres que foram fraturadas pela dor, pelas graves violações de direitos humanos que sofreram, traz as redes de afeto construídas na resistência e mostra a força política das mulheres na construção da democracia no País", explica Ana Pato, curadora da mostra.
O processo de curadoria partiu de três perguntas para trazer os relatos: "Pelo que lutam?", "Como lutam?" e "Quais são suas histórias?". Além disso, a artista Bianca Turner foi convidada para realizar uma instalação audiovisual com base nessa escuta. Foram selecionados 22 testemunhos para produzir a obra "Partitura da Escuta" (2023).
As narrativas de resistência, dor e afeto presentes nos trechos de depoimentos mostram como as mulheres enfrentaram a violência do estado no período ditatorial. A exibição também decidiu reunir três poemas de Beatriz Nascimento, militante, pesquisadora e poeta, a esse conjunto de declarações.
Trazer a exposição para a Galeria da Liberdade foi um movimento essencial para a memória histórica cearense e nacional sobre o regime, conforme analisa Cícera Barbosa, coordenadora do equipamento.
"Ele (Brasil) tem um problema com o que aconteceu na ditadura, a partir do fato de que não houve um julgamento dos torturadores, dos generais de alta patente", explica a também mestra em História pela Universidade Federal do Ceará (UFC).
Para a historiadora, a principal questão é não ter havido um processo justo para punir os ditadores e cuidar das vítimas das violências sofridas durante o período. "Um processo onde a memória e a experiência daqueles que sofreram com a ausência da democracia, com um regime ditatorial, não foi levado em conta, não foi julgado, não tiveram suas experiências de violência escutadas e legitimadas", continua Cícera.
"Então, isso tem um impacto muito grande na nossa sociedade que atravessa desde os setores da periferia até outros mais altos setores, com essa ideia de que não tivemos justiça, não tivemos acesso à memória, que há pessoas ainda que duvidam sobre a ditadura, há uma narrativa de que ela não aconteceu", pontua a coordenadora do equipamento.
A vinda da itinerância para o Ceará foi pensada meses antes da inauguração da Galeria da Liberdade, que antes era o mausoléu do ex-presidente e ditador Castello Branco, construído em 1972. "Essa ressignificação acontece a partir da demanda de uma movimentação social dos movimentos de memória, verdade e justiça, tanto dos que têm aqui no Ceará, como dos museus que fazem parte da rede de museus, de lugares de memória, e mais de 40 instituições", ilustra Cícera.
A partir da ressignificação do espaço, houve uma articulação com instituições que atuam com o mesmo princípio, como o Memorial da Resistência de São Paulo, que funciona na antiga sede do Departamento Estadual de Ordem Política e Social (Deops/SP), lugar que possuía a função de reprimir e controlar movimentos sociais contrários à ditadura.
"Em tempos em que ameaças à democracia e à ordem constitucional ainda pairam sobre o Brasil, o debate sobre a memória da ditadura civil-militar é um campo em disputa", afirma Ana Pato. Cícera salienta que a exposição representa uma "mudança significativa" na narrativa que é contada sobre a história do País.
"Mais ainda, fortalece a luta das vítimas, que seguem em busca de reconhecimento e reparação. Indo contra a normalização dessa história de violência estatal, há um importante movimento de retirar as menções de torturadores e ditadores em nomes de ruas e colégios, e ver isso chegar ao espaço da cultura é igualmente importante", finaliza a historiadora.
Exposição "Mulheres em Luta! Arquivos de memória política"