Reconhecido como um dos mais importantes discos do rock psicodélico brasileiro, o álbum de estreia da banda Ave Sangria chegou às mãos de Wharton Gonçalves Coelho quando ele tinha cerca de 12 anos. As guitarras incendiárias de Ivinho e Paulo Rafael, as letras loucas de Marco Polo, o ser indefinido na capa, tudo isso abriu um portal mágico na cabeça do futuro compositor.
"Aquilo fez minha cabeça para caramba. E, naquele momento, eu disse: 'porra! Eu quero fazer isso aqui", lembra Ortinho que ainda ouviu muito Marconi Notaro, Lula Côrtes, Cátia de França e outros. Ele também cita Fagner, Amelinha, Belchior e Ednardo entre os que incluía no repertório da época dos barzinhos. Sobre este último, confessa que até imitava o jeito de vestir. Essa influência toda foi resgatada no show "Nordeste Psicodélico", de 2016, e que é a principal influência de "Repensista", seu sexto disco solo - sétimo se incluir a banda Querosene Jacaré.
O show que deságua em "Repensista" era um tributo, enquanto o álbum é autoral com oito músicas do pernambucano de Caruaru. A única não autoral é "Quando eu olho para o mar", de Alceu Valença gravada no disco "Cinco Sentidos" (1981). "É uma música que marcou muito minha vida por que foi uma das que eu mais toquei nos barzinhos", reafirma Ortinho que homenageia outra conterrânea, Lia de Itamaracá, com "Eu e Lia". Ele conheceu a Rainha da Ciranda na infância, durante o São João, quando um carro da cachaça Pitu animava a rua tocando diversas cirandas.
Outra homenagem de "Repensista" é "De repente Cássia Eller". Ortinho conheceu a cantora há muitos anos, durante um festival em Garanhuns. Se gostaram de cara, trocaram ideias e ele prometeu compor uma música para ela. A composição ficou pronta na mesma época em que Cássia faleceu e ele preferiu guardá-la. Por sugestão de Arnaldo Antunes, seu parceiro em "A casa é sua", ele resolveu tirá-la da gaveta.
"De Repente Cássia Eller" é uma boa representante do psicodelismo de Ortinho. Com voz grave, ele fala de um abandono devastador ao ponto de fazê-lo "botar um sapo no ouvido para comer seus grilos". A base é um baião com bateria desconstruída, riff de guitarra, ritmo de rap e sei lá mais o que. "Repensista dos encantados" parte dos mesmos elementos, mas se aproxima de Alceu Valença, tanto na pisada do forró quanto na letra filosófica existencial. Já "Alice, Amor e paixão" é puro Zé Ramalho, desde o canto quase falado ao universo poético expandido e dramático.
"Repensista" tem ainda o rock autoreferencial "Há quem diga", a balada bolero brega "Grito de uma arara" e a regravação de "Solto no tempo", gravada por Ortinho no álbum "Somos" (2006). A nova versão, mais melancólica sobre o teclado de Sandoval Filho, lembra o estilo de Zeca Baleiro - outro que bebeu muito nessa fonte psicodélica. E tem "Senhora do amor", que começa numa viagem espacial, cai no baião e azeita nas guitarras pesadas de Rovilson Pascoal, produtor do disco. Agora Ortinho se prepara para levar "Repensista" para a estrada. "E quero muito ir para Fortaleza, né? Inclusive, no show, eu toco música do pessoal de Fortaleza", adianta.