Logo O POVO+
35º Cine Ceará celebra maturidade e encara fronteiras
Vida & Arte

35º Cine Ceará celebra maturidade e encara fronteiras

Na última sexta-feira, 26, o 35º Cine Ceará encerrou a programação com premiações e estreia cearense de "Morte e Vida Madalena", de Guto Parente
Edição Impressa
Tipo Opinião Por
Cearense
Foto: Rogério Resende/ Divulgação Cearense "Peixe Morto", de João Fontenele, entre Vitor Burigo, do júri e, Eloah Bandeira, do Canal Brasil, venceu o Prêmio Canal Brasil de Curtas no valor de R$15.000

Na abertura do 35º Cine Ceará, como se de repente acordássemos de um sonho aflito, o próprio Cineteatro São Luiz apareceu na tela – era uma cena hipnotizante de “Gravidade”, primeiro longa-metragem de Leo Tabosa que fez sua estreia mundial no primeiro dia do festival, dia 20. Preservando os segredos do delírio em que quatro mulheres esperam o fim do mundo, adianto apenas que o plano enquadra Helena Ignez, grande atriz e cineasta que explodiu ainda no Cinema Novo, sentada numa das cadeiras vermelhas do nosso imperioso cinema de rua. Grande imagem que me fez pensar para onde o cinema brasileiro está indo.

Uma semana depois, dia 26, o festival encerrou sua extensa programação com a mesma metalinguagem – dessa vez, já na primeira cena, quando o corpo estendido de Carlos Francisco está ao centro do palco em “Morte e Vida Madalena”, novo filme de Guto Parente, na pele de um defunto sendo velado para uma plateia vazia. Pareceu engraçado retomar o pensamento do primeiro dia, agora no rumo das insistentes “mortes” do cinema que há tantos anos estamos declarando.

“Eu vou fazer esse filme, David, nem que seja o último filme que eu faça na vida”, declara o pensamento de Madalena ao encarar o fato de que precisará dirigir o filme deixado incompleto pelo seu pai. Diante do contexto brasileiro neste ano, com celebrações tão efusivas ao redor de filmes como “Ainda Estou Aqui”, “O Agente Secreto” e “Manas”, é fascinante que este tenha sido o filme a encerrar o festival de cinema mais antigo do Ceará.

Leia Também | 35º Cine Ceará: filme equatoriano sobre memória é o grande vencedor da noite

Noá Bonoba, Tavinho Teixeira e Marcus Curvelo, especialmente, não fazem questão de esconder, mascarar ou pulverizar o gênero do filme: é comédia e ponto. O tom leve e totalmente descontraído da produção deram uma resposta eletrizante a quem quer que estivesse aflito naquela noite: por sua natureza coletiva, preenchida de paixão e susto pelo mundo, é que o cinema não morre.

Antes do filme, havia uma espécie de suspense coletivo porque os dois únicos longas-metragens brasileiros da mostra principal saíram de mãos abanando. Por mais que “Gravidade” passe longe de qualquer unanimidade, me assombra imaginar que o júri não tenha percebido a chance de incluir o Brasil, num festival brasileiro, entregando o troféu de Atuação Coadjuvante para alguém daquele quarteto estrelar: Clarisse Abujamra, Hermila Guedes, Marcélia Cartaxo e Danny Barbosa.

Na Mostra Brasileira, Ceará conseguiu subir ao palco com Peixe Morto”, de João Fontenele, que venceu o Prêmio Canal Brasil de Curtas ao inventar uma reviravolta brutal para esse mundo misógino. O júri deixou de lado “Fogos de Artifício”, de Andreia Pires, um criativo plano-sequência com dezenas de atores celebrando uma fictícia virada de ano novo.

Diante do seu recorte ibero-americano, porém, a resposta foi à altura. “Eco de Luz”, do equatoriano Misha Vallejo, foi o grande vencedor da noite: Filme, Roteiro, Montagem e Prêmio da Crítica. Apesar de já termos assistido a tantos filmes de cineastas que chafurdam as memórias atrás de antepassados desconhecidos, Misha conta sua própria história de um jeito envolvente: interessado em filmar a ausência do avô, acaba filmando a distância da sua própria família.

“Ao Oeste, em Zapata”, do espanhol David BiM, faz um dos mergulhos mais assombrosos em Cuba ao acompanhar um senhor de idade que passa dias no pântano para caçar jacarés. Sua imagem em preto & branco, sempre estável e contemplativa, parece dar vida a um pesadelo sedutor. Venceu Direção, Fotografia e Som.

Mesmo enfrentando desafios logísticos por conta das obras em frente ao Cineteatro São Luiz e ao Cinema do Dragão, o Cine Ceará conseguiu cravar mais uma vez no imaginário coletivo de que ir ao cinema, mais do que só ver filmes, ainda vale a pena. A catártica exibição especial de “O Agente Secreto”, com ingressos esgotando em menos de cinco segundos, que o diga.

O que você achou desse conteúdo?