"A biografia é essa área de fronteira entre jornalismo e história, que são minhas paixões. Só sei trabalhar movido pela paixão", assim o jornalista Lira define o gênero que lhe rendeu a escrita de aproximadamente 20 livros.
Em busca de compartilhar suas técnicas, o escritor ganhador de quatro prêmios Jabuti realiza o curso "A arte da biografia: Como escrever histórias de vida". As aulas têm início no dia 29 de setembro e seguem até o dia 3 de dezembro.
O curso conta tem duração de 40 horas divididas em duas aulas semanais, nas segundas e quartas-feiras, das 19 horas às 21 horas. Nas aulas serão trabalhados dois módulos: "Fundamentos e pesquisa" e "A escrita e a ética do biógrafo". Como referências, nomes da teoria biográfica — como Virginia Woolf, Leon Edel e Jean Orieux.
"É um curso que, ao mesmo tempo que é rápido, também entrega todas as dicas. Eu compartilho com o aluno muitos dos meus métodos de trabalho e digo como acho que as pessoas devem executar a técnica", ressalta. Lira também compartilha: "Num primeiro momento, tentamos ler tudo de relevante que já se publicou sobre esse personagem para criar uma base de conhecimento. Depois tentamos juntar essa massa documental, que é um pouco que desenvolve o curso".
Depois de capturar o maior número possível de informações é que começa o segundo momento: "escrever sobre a história, que é transformar esse oceano de informações num texto coeso, que trabalhe sempre na perspectiva de recepção do leitor. Eu não sou o leitor, eu não escrevo para mim", destaca.
Ao final, eles participarão da escrita de um perfil biográfico de até 20 mil caracteres. Os melhores trabalhos poderão integrar uma brochura ou e-book coletivo.
Lira deseja que o curso seja um espaço de trocas de experiências. Segundo ele, sua metodologia de ensino está alinhada ao método Paulo Freire, sobretudo fundamentado no caráter dialógico priorizando as experiências, realidades e o contexto dos estudantes.
"Acredito que o professor é aquele profissional que, na relação com um aluno, espera que ele também tenha algo a ensinar. A minha perspectiva de ensino é sempre nisso, de uma relação de troca. Eu também aprendo muito dando aula", acrescenta.
Ele conta que o curso nasceu em Portugal, onde ministrou um curso de três meses na Universidade do Porto. Depois, foi convidado pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) para trabalhar como professor visitante, ministrando o curso de discurso de história, de jornalismo e de literatura.
"Foi uma experiência tão boa. Eu gosto muito de estar em sala de aula, fui professor na juventude. Depois dessas vivências eu resolvi replicar isso em outras ocasiões, cheguei a fazer cursos online, na época da pandemia e agora em Fortaleza", aponta.
Entre os desejos do escritor a partir do curso, é que dois participantes possam ser selecionados para integrarem a equipe de Lira em dois novos projetos voltados para Luiz Gonzaga e a história dos 300 anos de Fortaleza.
"Ao final do curso, os alunos vão ter que me entregar um perfil biográfico. E eu vou, com base nesses textos, fazer uma seleta deles. A ideia é que a gente publique um e-book com os melhores trabalhos. Este e-book será prefaciado por mim e pretendo identificar ali os alunos que possam se juntar às minhas equipes para esses dois trabalhos", conclui.
Escrever biografias
Lira Neto começou a escrever ainda na juventude, por volta dos 18 anos, se juntando a um grupo para produzir conteúdos. "Eu comecei fazendo meus poemas. Peguei um pouco do rescaldo da chamada geração marginal, que era aquela geração de escritores, jovens poetas que se diziam marginais porque estavam à margem do mercado editorial. Rodávamos os nossos próprios poemas e xerocávamos", relembra.
Desde então, as letras e os livros não saíram do seu caminho. Cerca de dez anos depois que concluiu o ensino médio, decidiu ingressar no curso de Jornalismo da UFC, Já no segundo semestre de graduação, estreou no O POVO, na área de economia. Mas sua escrita logo o levou para o Vida&Arte, onde também foi editor.
"Vida&Arte tem uma importância na minha vida, porque foi ali que realmente comecei a fazer jornalismo de verdade. Porque o jornalismo sempre me apaixonou, mas sempre me dava um sentimento de incompletude, de algo que ainda não me satisfazia. Lá consegui", relembra. "Naquele momento vi que poderia escrever para além da notícia jornalística", acrescenta.
Ele construiu uma carreira marcada pela dedicação ao jornalismo, voltado à biografia, gênero que o consagrou como um dos principais escritores brasileiros. Essa trajetória resultou com a premiação da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA), em 2014, e no Prêmio Jabuti nos anos de 2007, 2010, 2013 e 2014.
O interesse em narrar vidas sempre esteve associado ao desejo de compreender a relação entre indivíduos e o contexto histórico. "Sempre tive a curiosidade de entender a vida das pessoas e como elas se entrelaçam com o contexto histórico", explica.
Com obras reconhecidas nacional e internacionalmente, como a trilogias sobre Getúlio Vargas, a biografia de Maysa e a história do samba, Lira Neto se destaca pela profunda pesquisa antes de cada livro. "Minha pesquisa é extensa, envolve documentos, arquivos, entrevistas. Só depois disso começo a dar corpo ao texto", conta.
Para ele, escrever exige mais do que inspiração. "Desde o princípio da humanidade, a narrativa de contar e ouvir histórias faz parte do nosso genoma. Acho que a biografia me permite juntar essas duas paixões, pela narrativa e pela pesquisa histórica, a partir desse olhar centralizado no indivíduo, nas pessoas", comenta.
Ele ainda acrescenta: "Porque, apesar de tudo, apesar de todos os indícios em contrário, eu ainda acredito na humanidade. E escrever biografias é um pouco a minha contribuição para dizer: 'Olha, eu ainda acredito nos indivíduos, exatamente, porque nós indivíduos somos imperfeitos. Eu acho que a beleza da do ser humano é a sua imperfeição, né?'".
Curso "A arte da biografia"