Em uma escuridão azulada, cantos de pássaro anunciam o início de um novo dia. Assim começa o espetáculo “Koi-Guera”, da Escola de Desenvolvimento e Integração Social para Criança e Adolescente (Edisca), que volta aos palcos após 27 anos. Com temporada de quatro dias no Cineteatro São Luiz, a montagem se propõe a ser uma denúncia contra o etnocídio indígena no Brasil.
A ideia da obra surgiu quando Dora Andrade, coreógrafa e fundadora da instituição, se deparou com a realidade de crianças indígenas do povo tapeba, que habita o limite entre Caucaia e Fortaleza. “Vi eles comendo caranguejo vivo, porque estavam com fome e não tinham o que comer. Me tocou de uma maneira que decidi fazer um espetáculo”, contou a artista durante a coletiva de imprensa realizada para apresentar a obra em primeira mão, na terça-feira, 23.
Para traduzir a problemática em dança, tanto a primeira versão quanto a nova trazem figurinos e adereços adquiridos com a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), advindos de povos como ticuna, gavião, nambiquara e wai wai. “Temos cestas que vem de uma determinada etnia especializada na fabricação e assim fizemos com cada objeto”, detalhou a ex-bailarina durante a coletiva.
Devido ao desgaste natural por causa do tempo, os materiais passaram por um processo delicado de restauração. Também houve conversa com pessoas da etnia tapeba para que as movimentações fossem construídas de modo a fazer sentido. Dora destacou que acredita na dança como uma arte que serve mais do que para o divertimento.
“Para além de entretenimento, gerar reflexão sobre a questão indígena no País”, afirma a coreógrafa. A denúncia parte desde o nome escolhido para a montagem “Koi-Guera”, que significa “O que será morto”, em tupi-guarani. “O papel do artista é enunciar o que acontece no mundo. Não estou aqui para fazer espetáculo broadway ou ‘Bela Adormecida’, me interessa fazer arte de denúncia”, salientou.
Os ensaios duraram pouco mais de um ano, entre idas e vindas e um processo árduo para aprender coreografias que mal possuíam registro em vídeo. “Então, a gente mal tinha um vídeo desse processo e aí ficava ruim pra gente ver as coreografias e pegar as limpezas”, explica Anderson Vieira, bailarino e professor da instituição.
“A gente convidou alguns ex-alunos, ex-bailarinos daqui para passar as coreografias pra gente com essas pessoas”, relembra o artista de 28 anos.
A coordenadora de dança da instituição e bailarina Mayra Vasconcelos diz que é “muito gratificante estar vivendo esse momento”. Além disso, a artista salienta a relevância da temática por ser uma problemática do presente. “A causa indígena não é coisa de anos atrás, é algo presente. Aconteceu, acontece e a gente torce que não aconteça mais”, pontua.
Para ela, integrar “Koi-Guera” é também a “realização de um sonho”. Por estar na instituição há 20 anos, Mayra esteve em quase todas as montagens do coletivo. Porém, o “Koi-Guera” traz um “peso bonito de responsabilidade”.
“É como se eu tivesse carregando comigo a memória de todas as pessoas que já passaram pelos palcos da Edisca, que já fizeram parte do elenco do espetáculo e, ao mesmo tempo, abrindo espaço para novas histórias com esse novo elenco”, ilustra.
Anderson, bailarino e professor, reitera que é uma honra e privilégio levar a obra para o palco quase 30 anos depois da estreia. “Não sei colocar em palavras a sensação de poder estar no palco representando a família Edisca”, afirma. O dançarino enfatiza que a arte é uma ferramenta de impacto social. “Pra mim arte e ética andam juntas e isso faz todo o sentido, quando a ideia é tornar a vida do nosso povo mais justa”, destaca.
“A Edisca se propõe a tratar de questões sócias em seus espetáculos que não são peças de apenas entretenimento, mas uma busca pela reflexão sobre temáticas importantes da sociedade e mais um que isso, um convite para mudança real”, argumenta. Diante das violências sofridas pelos povos indígenas, segundo Anderson, o “Koi-Guera” vem como um convite para que todos abracem as causas dos povos originários.
Espetáculo Koi-Guera - Edisca
Quando: de quinta-feira, 2,
a domingo, 5
Onde: Cineteatro São Luiz (rua Major Facundo, 500 - Centro)
Quanto: R$ 50 (inteira)
e R$ 25 (meia)
Ingressos: Via Sympla e presencialmente na bilheteria do Cineteatro
Mais informações:
no Instagram @edisca