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Feito por São Francisco de Assis, Cântico das Criaturas completa 800 anos
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Feito por São Francisco de Assis, Cântico das Criaturas completa 800 anos

O Cântico das Criaturas, ou Cântico do Irmão Sol, completa 800 anos desde sua criação por Francisco de Assis - santo celebrado pelo catolicismo neste 4 de outubro
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CANINDÉ, CE, BRASIL, 24-09-2025: Estátua de São Francisco das Chagas de Canindé.  Festejos de São Francisco em Canindé, pessoas fazendo perigrinação ate chegar na Basílica de São Francisco de Canindé. (Foto:Aurelio Alves / Jornal O POVO) (Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES CANINDÉ, CE, BRASIL, 24-09-2025: Estátua de São Francisco das Chagas de Canindé. Festejos de São Francisco em Canindé, pessoas fazendo perigrinação ate chegar na Basílica de São Francisco de Canindé. (Foto:Aurelio Alves / Jornal O POVO)

Este ano, o Brasil sedia a 30ª Conferência sobre Mudanças Climáticas (COP 30), que coloca em pauta a urgência no enfrentamento à crise climática. Saindo do âmbito político para o religioso, "Fraternidade e ecologia integral - Deus viu que tudo era muito bom" foi tema da Campanha da Fraternidade 2025.

Neste mesmo ano, se celebram os 800 anos do "Cântico das Criaturas", composição de São Francisco de Assis que versa sobre a comunhão entre todos os seres. Neste 4 de outubro, dia em memória do santo católico, o Vida&Arte traça um panorama histórico sobre a música.

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"Louvado sejas, meu Senhor, por nossa irmã a mãe Terra. Que nos sustenta e governa. E produz frutos diversos e coloridas flores e ervas", diz um trecho da oração feita nos anos 1220. Também conhecido como "Cântico do Irmão Sol", o texto aborda uma visão positiva e sagrada da natureza e foi concluído quando o santo estava sozinho, em São Damião, na região italiana Umbria, e perto da morte.

"Para Francisco, não só não há diferença entre os homens em relação a Deus, como estes também não são superiores ou melhores do que o resto da Criação", resume o historiador e franciscano Antônio Carlos Jucá. O também professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) explica que, vivendo em um período de "renascimento comercial", São Francisco testemunhou o aumento da exploração da natureza.

Com um legado marcado pelo desapego aos bens materiais e à propriedade, o santo largou tudo para viver em pobreza. "Para uma realidade em que a burguesia estava em ascensão e cada vez mais o acúmulo de bens e riquezas era incentivado, a forma de vida pobre de Francisco era uma provocação para todos aqueles que o viam", diz o Frei Vinícius de Oliveira Betim, da Fraternidade Nossa Senhora Aparecida, de Nilópolis, no Rio de Janeiro.

Francisco de Assis e o Cântico das Criaturas

"Francisco de Assis tinha tudo para ser um grande comerciante de tecidos e herdar a loja de seu pai. Era de família rica, na juventude buscava ser cavaleiro e almejava a nobreza", conta Frei Vinícius, membro da Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil. Com o cântico, o religioso considera que São Francisco de Assis "apontou para algo novo no campo da espiritualidade".

Na Idade Média, a oração era uma ferramenta de negação do mundo externo a partir do contato com Deus, a fuga de um mundo marcado por conflitos políticos, tensões religiosas e o aumento da desigualdade social. Na contramão, São Francisco e os franciscanos seguem a filosofia de que "o mundo não é um lugar ruim, pois Deus está nele", conforme Jucá. O professor diz que, em uma das primeiras histórias franciscanas, quando perguntados onde estava seu claustro, eles responderam: "Nosso claustro é o mundo".

À longevidade do Cântico das Criaturas, Antônio Carlos Jucá atribui à perspectiva de que o texto "propõe uma relação ética, que toca mesmo aqueles que não creem", definindo a natureza como "obra de Deus". Frei Vinícius acrescenta que o cântico não se limita à religião cristã, sendo apreciado também por judeus, muçulmanos e hinduístas. Segundo ele, em culturas africanas, o texto pode ser até mesmo um "ponto de partida para o diálogo inter-religioso".

 

Um documento histórico

Para além da relevância religiosa e espiritual, o "Cântico do Irmão Sol" documenta um período histórico. A percepção cósmica que tem Deus como centro e a língua vernácula em que foi escrito - o dialeto úmbrio falado à época, uma das origens do italiano moderno -, faz do texto um prato cheio para medievalistas. Para o pesquisador Antônio Carlos Jucá, o texto "traz aspectos mais gerais da visão de mundo medieval", ajudando a compreender uma época.

Mencionado na primeira biografia de Francisco - "Vida Primeira", de Tomás Celano -, o texto atravessou o tempo sendo referenciado também em obras posteriores. Seguindo a tradição dos salmos bíblicos, o escrito já nasceu como cântico e tem, entre as regravações mais conhecidas, as do padre Fábio de Melo e do cantor Zé Vicente. "A forma simples e ritmada indica a destinação para o canto comunitário", declara Frei Vinícius, que define a obra como um hino de fraternidade universal.

A preservação do texto "se deu graças aos primeiros frades, que guardaram seus escritos, e posteriormente às compilações oficiais da Ordem Franciscana", informa o religioso. O mais antigo manuscrito do Cântico das Criaturas está no códice (conjunto de textos) 338, escrito por volta de 1250. "Entre a primeira e a segunda linha, há um espaço para as notas musicais. Infelizmente, elas não foram transmitidas nem nesse, nem em outros manuscritos, e por isso a melodia original continua desconhecida". Hoje, esse manuscrito se encontra no arquivo do Sacro Convento de Assis, na Itália.

 

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