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Dia das Crianças: o que os pequenos querem ser antes mesmo de crescer?
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Dia das Crianças: o que os pequenos querem ser antes mesmo de crescer?

O que fazer enquanto não se é adulto? Dia de celebração amplia debate acerca da preservação da infância e expectativas sobre a maturidade
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FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL, 07-10-2025: Elisa Viegas 3 anos, Noah Trindade 2 anos, 
Agnes Sousa 9 anos, 
Maria Júlia 3 anos e Carlos Almiro 8 anos no domingão do Vida&Arte celebra o dia da crianças com uma reflexão sobre o que é ser criança. (Foto: Samuel Setubal/ O Povo) (Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL, 07-10-2025: Elisa Viegas 3 anos, Noah Trindade 2 anos, Agnes Sousa 9 anos, Maria Júlia 3 anos e Carlos Almiro 8 anos no domingão do Vida&Arte celebra o dia da crianças com uma reflexão sobre o que é ser criança. (Foto: Samuel Setubal/ O Povo)

O que é ser criança? Para Carlos Almiro, 8 anos, é "ser feliz e brincar". Já Aurora Jales, 5 anos, pontua que é um período bom para "ir crescendo e aprendendo". Agnes de Oliveira é concisa e diz que é "ter 9 anos". Aos 3 anos, Maria Júlia conclui que ser criança é "ser bebê". Avaliando essas e outras respostas ainda mais afiadas, a percepção geral é que ser criança é sempre ter respostas na ponta da língua, ainda que não caiba na expectativa adulta.

Enquanto parte das entrevistas desta reportagem acontecia, as crianças agiam como crianças: corriam sem ter porquê, gritavam por plena vontade, escalavam tudo que tinha alguma altura e faziam amizades entre si sem nenhum critério de julgamento anterior. Sem pressa para crescer e nem preocupação com a razão que os levava a estar ali naquele dia, o que importava mesmo era se divertir.

Léo Jorge, de 9 anos, acredita que a diferença de adultos para crianças está relacionada à "mentalidade" de cada fase da vida. Ele explica que, enquanto os mais velhos precisam se preocupar com o trabalho, em buscar os filhos na escola e cuidar da casa, as crianças só precisam brincar e estudar. "Não ser criança é ser adulto, né?", resume.

A psicóloga e neuropsicóloga Elaine Cristina Sales avalia que o importante é valorizar o "tempo da criança": "Incentivar o brincar simbólico, estar presente de verdade e compartilhar momentos de brincadeira". A especialista sinaliza que essa busca pela diversão é o que desenvolve nos pequenos a curiosidade, imaginação e até a compreensão de sentimentos negativos.

"O ideal é valorizar o tempo livre da criança. Hoje elas têm uma rotina muito cheia — escola, cursos, atividades — e acabam sem tempo para simplesmente brincar. O brincar simbólico é fundamental, porque estimula a imaginação, a criatividade e até o controle emocional. A brincadeira ajuda a evitar a exposição excessiva às telas", argumenta Elaine.

Ainda sobre o desenvolvimento infantil, ela acrescenta: "É importante permitir que a criança se frustre, porque perder faz parte do aprendizado emocional. O essencial é cultivar o diálogo, o afeto e substituir cobranças por estímulo".

É justamente nesse contexto de formação e entendimento das próprias habilidades e sentimentos que as crianças costumam ouvir uma das perguntas mais repetidas do mundo: "O que você quer ser quando crescer?". A resposta, quando prontamente dita, costuma ser um reflexo das descobertas pessoais de cada um. Mas, antes mesmo de idealizar o futuro, cada pequeno cultiva sonhos e desejos a serem cumpridos ainda nos primeiros anos de vida.

A mais nova entre os entrevistados, Maria Júlia, tem certeza do seu sonho de criança: ir ao mar. A mãe, Juliana Menezes, até fica espantada: "Mas você já foi ao mar!". Com toda certeza que acumulou ao longo dos seus quase 4 anos, ela rebate: "Quero ir de novo".

Antes mesmo de querer ser modelo, atriz, médica, veterinária ou qualquer outra ocupação de adulto, Aurora, 5 anos, tem planos para sua infância: "Ir ao Beach Park, ver o Papai Noel e ver Deus". Já Léo, quer "ir para a rua com todos os amigos para brincar na frente de casa". Carlos também tem um objetivo claro para cumprir antes de suas obrigações da maturidade: "ganhar um videogame".

"O brincar desenvolve o controle emocional, porque a criança aprende a ganhar e a perder, aprende a negociar — afinal, a brincadeira não é só o que ela quer, é o que o grupo decide. Também desenvolve a flexibilidade, a memória afetiva, a motivação e ajuda a reduzir o estresse infantil, que é uma realidade hoje", desenvolve a psicóloga e psicopedagoga Ana Letícia Moura ao O POVO.

Ela defende: "Brincar fortalece o foco, a memória e a autorregulação emocional. A criança aprende a lidar com frustrações, a esperar a vez, a respeitar o outro. Tudo isso o brincar proporciona".

Em resumo, antes mesmo de ter preocupações e metas de "gente grande", a criança desenvolve anseios, desejos e curiosidades na própria infância, que devem ser ouvidos e respeitados com a atenção que essa fase da vida precisa.

Até quando somos pequenos?

Criança é mais do que uma definição numérica. Para a psicopedagoga Ana Letícia Moura, essa é uma fase inicial da vida humana em que "a pessoa está em pleno desenvolvimento. É o momento em que ela nasce sem saber de nada e vai sendo formada". A psicóloga Elaine converge e acrescenta que a duração dessa etapa "depende muito do contexto familiar"

Organizacionalmente, a Organização Mundial da Saúde (OMS) pré-define como "criança" o indivíduo com menos de 10 anos. Ainda assim, reconhece que é uma marca que pode variar conforme o contexto em que está inserida.

Para a legislação brasileira, pessoas de até 12 anos incompletos ainda se encaixam no período da infância. É o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), pela Lei n.º 8.069/90, que define as responsabilidades do Estado e da sociedade para as crianças.

Respeitar as etapas

"O adulto é um espelho para a criança, mas é preciso ter cuidado com a maturidade emocional dela. Ouvir e conversar é essencial, mas sempre respeitando o nível de compreensão da criança — não é falar de igual para igual, é saber até onde ela entende o mundo. Assim, ela aprende a expressar emoções adequadamente para sua idade", assim a psicóloga Elaine Cristina introduz o assunto adultização ao O POVO.

O termo viral "adultização" ganhou repercussão social após denúncias feitas pelo influenciador digital Felca em agosto deste ano. Além de problemas como a sexualização de crianças, o criador de conteúdo chamou a atenção para padrões de comportamento no qual os pequenos passam a se comportar como adultos, com posturas e assuntos que não são adequados à faixa etária.

Elaine aponta: "Quando o adulto transmite expectativas maiores do que a criança pode lidar, acontece a adultização — e isso é perigoso, porque sobrecarrega a criança com responsabilidades e emoções que ela ainda não está pronta para viver". A especialista destaca, assim, a importância de respeitar o ritmo de cada pequeno, sem atravessar suas etapas essenciais.

A importância de preservar a infância das crianças e não antecipar responsabilidades e conteúdos referentes a adultos está na proteção que esses menores precisam ter no seu desenvolvimento, englobando questões desde o modo de se vestir, falar ou pensar. "Hoje, devido às redes sociais, elas são muito estimuladas a isso. Essa exposição precoce pode comprometer o desenvolvimento emocional e lúdico. Então, é importante evitar que elas sejam colocadas diante de temas da vida adulta", destaca.

Tal medida não significa deixar os pequenos à toa, mas sim reforçar aprendizados referentes ao seu momento de vida. É desde a convivência em casa que as habilidades das crianças passam a ser instigadas, conforme explica a psicopedagoga Ana Letícia Moura.

"Tanto a família quanto a escola precisam observar e estimular essas habilidades. Cada criança é única. Às vezes, dentro da mesma casa, um filho é mais voltado para os estudos e o outro para as artes. Então, o ideal é proporcionar experiências diferentes para cada um — aulas de reforço para o que gosta de estudar, e atividades de dança ou música para o mais artístico, por exemplo", diz.

Aprendizados preciosos

A psicopedagoga Ana Letícia Moura, em análise pedagógica do humano, explica que as pessoas possuem áreas de desenvolvimento: a afetiva/emocional, a linguagem, a cognitiva e a social. Durante a infância, todas essas zonas são desenvolvidas desde os primeiros contatos com a família, em casa. A escola surge como um potencializador desses aprendizados.

"O importante é que essa aprendizagem comece na família e, depois, se amplie no ambiente escolar. Na escola, a criança tem a oportunidade de desenvolver todas essas áreas — afetiva, emocional, cognitiva, linguística e social", contextualiza.

A psicopedagogia destaca que, além de casa e do ambiente escolar, atividades culturais e esportivas estimulam o desenvolvimento de crianças. Por essa razão, comumente os pequenos são vistos com "agenda" mais ocupada que muitos adultos.

É nessa situação que a psicóloga Elaine adverte sobre a importância de os pequenos aprenderem a lidar também com o tempo livre: "O ócio é o momento em que a criança mais cria, mais explora o brincar. Mas hoje tudo está muito pronto. Elas assistem vídeos de outras pessoas brincando, em vez de brincar. Quando os professores propõem atividades lúdicas, muitas dizem 'não sei o que fazer'. Falta espaço para experimentar".

Letícia, em relação às atividades fora das telas, defende: "É preciso equilibrar o uso. A tecnologia aproxima pessoas, encurta distâncias, mantém laços familiares — e isso é ótimo. Mas a criança também precisa de tempo para brincar ao ar livre, correr, se sujar, conviver com outras crianças e desenvolver a imaginação".

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