Quem assistia ao enterro de Odete Roitman em "Vale Tudo", na sexta-feira, 8, foi positivamente impactado por uma campanha do Governo do Estado estrelada por grandes nomes do humor cearense. Muito além de um produto de divulgação política, o material captou a identidade local com rostos que transformaram o Ceará na Terra do Humor.
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"Acho que aconteceu uma mágica que ninguém planejou. Quando o cearense se viu ali, ele gostou. Às vezes, o espelho faz bem. A gente cresceu vendo o Nordeste ser representado por outro sotaque, outro tipo de gente. Antes, a publicidade mostrava nordestinos que nem pareciam conosco", opina o ator comediante Haroldo Guimarães, que fez parte da iniciativa.
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O humorista Moisés Loureiro, também elenco da campanha, agrega: "Ver humoristas cearenses em horário nobre é ver o povo se reconhecendo no espelho da TV. É o Estado dizendo: 'isso aqui é nosso sotaque, nossa graça e nossa história'. É importante também para reforçar nossa marca como terra do humor, sempre fomos e continuamos sendo".
A campanha foi exibida na TV Globo, em rede nacional. Além de chamar atenção para o turismo e cultura do Estado, o material pareceu fortalecer a autoestima cearense. A "gaiatice" das pessoas do Estado é um legado carregado por toda a população, que ganhou evidência com a carreira de mestres como Chico Anysio (1931-2012), Paulo Diógenes (1961-2024) e Renato Aragão.
"O Ceará sempre vai ser a Terra do Humor, porque o humor cearense está no cotidiano, no jeito de falar, de contar uma história. A gente ri das situações mais simples, das conversas do dia a dia. É só você andar pelo Centro de Fortaleza e ouvir as pessoas conversando, você vai rir. É o nosso jeito", exemplifica o ator, comediante e drag queen Denis Lacerda, criador da personagem Deydianne Piaf.
Moisés acrescenta: "A gente não herdou esse título (Terra do Humor), a gente o inventou. Nenhum outro lugar no mundo produziu tantos gênios por metro quadrado de riso".
O humorista Lailtinho Brega, um dos pioneiros em comédia do Ceará, explica que a postura de "fazer graça" da própria realidade é também um ato político. Ele cita que o humor foi usado como linguagem de defesa à ditadura militar do Brasil.
"Chico Anysio fazia um personagem de deputado corrupto, o Jô Soares fazia o corruptor… e o povo ria! Quanto mais havia censura, mais a gente driblava. Isso fez com que o Ceará fosse visto como o celeiro do humor brasileiro", argumenta Lailtinho.
Haroldo, que também é mestre em Direito, frisa que o Estado é, historicamente, "uma terra árida e pouco fértil", o que fez com que pouco se quisesse explorar a região. "Mas, por outro lado, o que o Ceará sempre teve foi gente forte, criativa, agradável. O valor humano é a nossa maior riqueza. O cearense aprendeu a vender simpatia — e o humor vem daí", defende.
"O humor, para nós, é um lenitivo, uma cura mental e física. E desde os anos 1980, com gente como Rossicléa e Falcão, aprendemos que dá para viver disso, mesmo sem grande estrutura. Basta um cearense, um figurino simples e um bom texto — e ele muda o ambiente inteiro", acrescenta o ator.
Morgana Camila, que faz sucesso com sua "cearensidade" nas redes sociais, converge com Haroldo: "O cearense tem uma veia diferente para o humor, muito peculiar. E quem faz humor no Ceará e dá certo, dá certo em qualquer lugar do mundo. O sarrafo aqui é alto! Fazer humor é coisa séria. Fazer o outro rir é uma dádiva, mas exige talento e responsabilidade".
Ao Vida&Arte, Lailtinho sintetizou a fala de diversos nomes do humor também entrevistados: "Humor é o que faz rir", uma frase atribuída a Chico Anysio, que demonstra que todo cearense é um pouco humorista.
"O humor, para mim, é cura. O medo e a dificuldade paralisam, mas o humor liberta. Quando você ri de algo que antes te fazia sofrer, é sinal de que deu certo, que você está bem da cabeça. Há pesquisas que mostram que o riso libera o córtex, relaxa o corpo, libera endorfina. Então, o humor faz bem à mente, à saúde e até à vida financeira", defende Haroldo Guimarães.
Inovações do humor
Um dos pontos de atenção na campanha do Estado é a mistura geracional de humoristas. Quem abre o clipe é Tirulipa, que logo é respondido por Rossicléa (personagem de Valéria Vitoriano) e por Aurineide Camurupim e Cleane Sampaio.
Assim, entram em cena comediantes como Moisés Loureiro, Deydianne Piaf, Haroldo Guimarães, Falcão, Virgínia Del Fuego (personagem de Ciro Santos), Morgana Camila, Titela, Lailtinho e Faela Maya. O que eles têm em comum? A "gaiatice cearense". E o que eles têm de diferente? O meio em que se comunicam e a experiência do tempo.
"O humor hoje está em tudo. Veja só: ele nasceu há 35 anos, lá nos palcos, num festival que nem era de humor — era o Festival Brega do Pirata Bar. Como era tudo irreverente, acabou virando humor", contextualiza Lailtinho, um dos pioneiros.
Ele acrescenta: "Essa moçada nova do stand-up levou o humor para a internet, o que deu uma força enorme. Milhares de pessoas sorriem todo dia vendo vídeos no celular. O celular virou um grande difusor da cultura do riso!".
Segundo ele, as redes sociais representaram uma grande "projeção" para o trabalho de quem trabalha com o riso. "Antes, o que eu produzia na Arena do Humor ficava lá. Hoje, quando posto na internet, alcança gente do País todo", diz.
"Os antigos continuam firmes, se adaptando, e os novos estão chegando com força", reforça Morgana Camila, que deixou o emprego no comércio para dedicar-se totalmente à comédia após viralizar nas redes sociais.
O jeitinho cearense
Muito se ouve falar no "jeitinho brasileiro", uma postura criativa que as pessoas do Brasil costumam arranjar para lidar com situações do cotidiano. Se essa questão for afunilada, chega-se ao tão conhecido "jeitinho cearense", relacionado com a "gaiatice" dos nativos do Ceará.
"O jeitinho cearense é prestativo e simpático. A gente gosta de resolver as coisas e ainda fazer rir. Isso é o Ceará: inteligente, espirituoso, rápido no gatilho. Nosso jeito de ser — prestativo, engraçado, acolhedor — é o que o Brasil deveria imitar. Ele faz a gente sobreviver, e rir, mesmo quando falta quase tudo", argumenta Haroldo Guimarães.
Morgana Camila também opina: "A gente tem o dom de rir das próprias dificuldades. Até diante do problema, o cearense faz piada. A vaia cearense é prova disso: choveu, o sol apareceu, e o povo vaiou o sol. Eu me sinto muito feliz e honrada de pertencer a essa terra. Já pensou se eu não soubesse falar 'rodear'?".
Para Denis Lacerda, ser cearense é ter mais motivos para celebrar. "Aprendemos a amar o nosso Estado, nossa cultura, nosso jeito. O jeitinho cearense é o afeto. É celebrar a vida mesmo nas dificuldades. É viajar, mas quando voltar pensar 'como é bom estar em casa!'".
"O cearense é capaz de rir da tragédia enquanto a tragédia acontece, diferente do senso comum que diz que a tragédia de hoje é a comédia de amanhã. Para o cearense, não tem isso de tempo para tragédia, é se lascando e achando graça ao mesmo tempo. Enquanto o mundo chora depois da tragédia, o cearense ri durante. Rir é nosso jeito de continuar de pé", acrescenta Moisés Loureiro.
Quem finaliza as definições do jeitinho cearense é Lailtinho Brega: "Aqui é assim... o cara vem, toma uma cachaça, vai para o forró, paquera, se diverte. A Cidade é cosmopolita, mas sem perder o jeito do Interior. Mesmo com os problemas sociais, o cearense trabalha, luta, pega ônibus lotado e ainda solta uma piada no caminho. A 'fuleragem' é o que salva. Porque, se não fosse o humor, estava todo mundo se matando".