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À frente do Tiny Talks, Sarah Oliveira compartilha bastidores do Tiny Desk Brasil: "Soberania brasileira"
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À frente do Tiny Talks, Sarah Oliveira compartilha bastidores do Tiny Desk Brasil: "Soberania brasileira"

Jornalista Sarah Oliveira analisa a chegada do Tiny Desk Brasil, rememora a MTV e reflete sobre o sagrado na feitura musical
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Terceiro convidado do programa, o cantor Péricles (Foto: Tiny Desk Brasil/Reprodução)
Foto: Tiny Desk Brasil/Reprodução Terceiro convidado do programa, o cantor Péricles

A artista folk Laura Gibson sentiu-se desanimada após seu show no South by Southwest, em Austin, Texas, em 2008. O bar Thirsty Nickel permitiu a entrada de foliões barulhentos, o que transformou o concerto em um ambiente ruidoso, que menosprezava a potência vocal da cantora.

Na noite, Bob Boilen, diretor do principal programa da National Public Radio (NPR), estava presente. Desejando proporcionar a Gibson o ambiente que achavam que ela merecia, ele a convidou para tocar no escritório da empresa, em Washington, D.C.

Sua apresentação foi filmada e publicada no site da rádio pública nacional. A ideia de reunir desde artistas da cena alternativa até nomes consagrados para tocar em formato acústico, sem retorno ou amplificação, tornou-se um fenômeno global.

Dezessete anos depois, o formato dos Tiny Desk Concerts desembarca no Brasil. Lançado no dia 7 de outubro, o episódio de estreia convidou o pernambucano João Gomes para abrir os trabalhos e levantou uma série de questionamentos sobre o simbolismo de começar com um nome do forró, em um cenário puramente brasileiro.

Tiny Desk e a soberania brasileira

Entre os elementos que poderiam ser listados no mix de brasilidades, estão as paredes de cobogó, os isqueiros BIC, a biografia de Rita Lee, o filtro de barro e as miniaturas das cadeiras de plástico que enfeitam inúmeros botecos brasileiros.

Para comandar as Tiny Talks, entrevistas gravadas minutos após os concertos, a Anonymous Content Brazil, que detém o licenciamento, convidou a comunicadora Sarah Oliveira, rosto da era de ouro da MTV, que tem sua história conectada à discografia do país.

Com a versão norte-americana arrecadando mais de 3,5 bilhões de visualizações globais e versões internacionais na Coreia do Sul e no Japão, para Sarah, a chegada do programa ao país reforça o impacto global do que tem sido produzido no Brasil.

“O Brasil detém a segunda maior audiência global do Tiny Desk EUA, perdendo apenas para eles mesmos. O que acho lindo é que, ao traduzir o nome, o nosso ficou Brasil com S, S de soberania. E a música brasileira de fato é soberana. Quando as produtoras vieram para cá, elas assistiam às gravações e algumas choravam, pois se emocionaram com a excelência do que acontecia ali”, relembra.

Apresentadora do Luau MTV e do programa Disk MTV, acompanhar shows de grandes artistas não é novidade para a jornalista. Contudo, ao rememorar a sensação do momento das gravações dos Tiny Desks, Sarah afirma:

“O que mais me interessa é essa singularidade, essa proposta dos artistas cantarem e tocarem sem retorno, sem in-ear, sem amplificação de nada. Nem todos os músicos topam fazer porque não é para qualquer um, eles sabem do desafio que é”, explica.

Por trás da curadoria brasileira, estão os ouvidos atentos de Gui, Rica e Mariana Amabis, fundadores do hub cultural que carrega o sobrenome dos irmãos.

Sob supervisão da própria NPR, no segundo episódio, a equipe convidou o grupo de jazz Metá Metá para reunir-se com o maranhense Negro Leo. O resultado foi um encontro entre free jazz, música africana e rock, com uma face do indie brasileiro. Já no terceiro episódio, foi a vez de Péricles, que transformou o escritório da Google, na Faria Lima, em uma roda de samba, remetendo ao início de sua trajetória artística.

Com novos episódios que vão ao ar sempre às 11 horas, nas terças-feiras, o formato tem sido frequentemente comparado a um “Acústico MTV” da era digital. Além da febre e da identificação com diversas gerações, ambos os projetos vão na contramão da indústria fonográfica de grande porte, com uma proposta intimista e mais verdadeira de fazer música.

No Acústico MTV, os primeiros artistas nacionais que tiveram discos lançados sob o selo foram nomes como João Bosco e Gilberto Gil, e, posteriormente, abriu-se espaço para os roqueiros da década de 1980.

No entanto, a fronteira do que era popular parou em Zeca Pagodinho e Paulinho da Viola, excluindo do catálogo os sertanejos, forrozeiros e funkeiros cariocas, que já começavam ali, na década de 1990, a alcançar sua ascensão.

Ao começar com nomes do forró, samba e jazz alternativo, além da sagacidade da equipe de produção, o Tiny Desk Brasil revela também a colcha de retalhos que é feita do repertório nacional na atualidade.

Para Sarah, é essa pluralidade que faz com que os episódios de 20 minutos sejam assistidos por inteiro, por uma geração que se acostumou ao scrolling das redes sociais.

“Nessa época louca de inteligência artificial, autotune e trends que mudam o tempo todo, com mixagens e ‘edits’, é bonito ver os adolescentes entendendo a importância da proposta. Porque mostra a crueza, a música pela música, e esse poder que ela tem de reconectar as pessoas. Às vezes, a indústria musical esquece disso e se foca nos algoritmos. E o programa vem nessa contramão, de repensar a produção musical como algo sagrado”, finaliza.

Bate-pronto com Sarah Oliveira

O POVO - Como você explicaria a "febre da MTV" para a geração Z?

Sarah Oliveira - Quando começou a "era de ouro" da MTV, que foram os anos 2000, as redes sociais estavam começando. A TV Globinho ficou um tempo fora do ar, então éramos os únicos que ditavam comportamento, moda e fazia curadoria musical. Para além da música, tinha uma preocupação para que os telespectadores pudessem ser cidadãos mais úteis para a sociedade. Os promos da MTV eram muito educativos, reais, com uma linguagem muito próxima do que o jovem era no dia a dia. Não tínhamos essa noção, mas 20 anos depois, vejo como foi bonito e importante para a contracultura e para a cultura brasileira.

OP - Você celebra 25 anos de carreira com a estreia da série "Atenção para o Refrão". Como foi revisitar a história da música brasileira dessa forma?

Sarah - Eu adoro o nome, que remete ao "Divino e Maravilhoso", do Caetano. Criei essa série depois de ter tido a ideia do nome, e sempre faço isso, de ter a ideia de título e criar em cima. Ela foi formatada junto com o meu irmão, Esmir Filho. Tô muito feliz com essa parceria com ele, além de poder falar desses refrãos, que transpassaram gerações. São mais de 35 artistas que eu entrevisto, em seis episódios, e tá ficando lindo.

OP - Existe uma variedade de gêneros, idades e estilos musicais entre os convidados das Tiny Talks. Como acontece a sua preparação para essas conversas?

Sarah - É um trabalho totalmente personalizado, de acordo com quem vai se apresentar. É uma piração, fazemos uma super pesquisa, mergulhamos no universo de referência deles, e eles adoram.

 

Tiny Desk e Tiny Talks Brasil

  • Quando: shows toda terça-feira, às 11 horas; Tiny Talks toda quinta-feira, às 11 horas
  • Onde: YouTube Tiny Desk Brasil

 

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