Com mais de duas décadas conectando música, cultura e televisão, a comunicadora Sarah Oliveira se firma como uma ponte entre gerações no cenário da música brasileira, e agora assume um papel central na estreia do Tiny Desk Brasil.
Nascida em São Paulo, em 1979, Sarah formou-se em Rádio e TV no Centro Universitário Armando Alvares Penteado (FAAP) e iniciou a carreira como repórter na 89 FM, antes de migrar para a MTV Brasil, onde se tornou VJ e apresentou programas como “Disk MTV” e “Luau MTV”.
Agora, ao assumir as “Tiny Talks” do Tiny Desk Brasil, Sarah volta à origem da música em forma intimista: artistas em um escritório, sem amplificação, sem filtros, e reexamina o valor da música na indústria do entretenimento.
Para ela, a chegada do programa no Brasil reafirma o papel da música como “sagrada”, em tempos de algoritmos, autotune e tendências efêmeras.
A seguir, o Vida & Arte conversou com Sarah Oliveira sobre a chegada do Tiny Desk Brasil, a rememoração da MTV, seus 25 anos de carreira e a reflexão sobre a música em tempos de inteligência artificial.
O POVO - Neste ano, você celebra 25 anos de carreira com a estreia da série “Atenção para o Refrão”, no canal Bis. Como foi revisitar a história da música brasileira dessa forma?
Sarah- Eu adoro o nome, que remete ao “Divino e Maravilhoso”, do Caetano. Criei essa série depois de ter tido a ideia do nome, e sempre faço isso, penso primeiro no título e crio em cima dele. Ela foi formatada junto com o meu irmão, Esmir Filho. Tô muito feliz com essa parceria com ele, além de poder falar desses refrães que atravessaram gerações. São mais de 35 artistas que eu entrevisto, em seis episódios, e tá ficando lindo.
O POVO- A Paramount deve encerrar seus canais no Brasil ainda em 2025, e com isso a MTV Brasil sairá oficialmente do ar. Por outro lado, os seus impactos continuam sendo sentidos por toda uma geração que vivenciou a emissora. Como você explicaria a “febre da MTV” para a geração Z?
Sarah- A MTV surgiu nos anos 90. Eu fui adolescente nos anos 90, era telespectadora e lembro daquele charme, daqueles ídolos. Na época em que a MTV começou a dar muita audiência, que foram os anos 2000, na “era de ouro”, não tínhamos redes sociais.
O YouTube estava começando e, naquela época, acho que até a TV Globinho ficou fora do ar. Então, tudo era concentrado na gente, que ditava comportamento, moda e fazia curadoria musical.
E, para além da música, havia uma preocupação para que os telespectadores pudessem ser cidadãos mais úteis para a sociedade. Os promos da MTV eram muito educativos. Eles eram reais, com uma linguagem próxima do que o jovem era no dia a dia, de uma maneira muito verdadeira. Desde aquela época, o público LGBTQIA+ sempre se sentiu muito contemplado.
E essa era pegou geral, pré-adolescentes, adolescentes e jovens. Então, acho que há gerações diferentes aí, não são só os millennials.
Até hoje as pessoas vêm falar comigo sobre esse período, mas a gente não tinha essa noção na época. Vinte anos depois, eu vejo como foi bonito e como foi importante para a contracultura e para a cultura brasileira. Foi um período muito lindo, de 2000 a 2006.
O POVO- Com a chegada do Tiny Desk ao Brasil, muita gente tem comparado o programa ao Acústico MTV. Em que pontos eles se aproximam e em quais se diferenciam?
Sarah- O “Tiny Desk” é para quem pode, e também para quem topa aquele formato cru, que não tem retorno. Os artistas cantam sem “ear”, não têm fone, não têm retorno pra banda, não têm caixa de amplificação.
Os “Acústicos” eram grandes produções, tinham retorno, amplificação de microfone, era outra parada. Ambos lindos, mas cada um com a sua proposta.
Até hoje existem programas de acústicos e jam sessions que são maravilhosos, mas essa proposta do “Tiny Desk” é singular, é uma proposta de crueza na música. Nem todo mundo topa fazer por causa disso, porque não são todos que conseguem cantar sem retorno, e nem toda banda consegue tocar sem amplificador.
E por ter essa proposta singular, lá fora o Tiny começou com as bandas mais alternativas e depois passou a ter os populares. Então é muito legal, porque os cantores e cantoras, quando chegam, sabem o que é o “Tiny Desk”, sabem o desafio que é cantar daquela forma, e ficam felizes, porque quem tá ali é quem ama a música, quem sabe que a música é o seu ofício.
O POVO - Dos Tiny Desks gringos, quais conversam mais com seu gosto musical?
Sarah- A minha playlist é um caos musical. Eu gosto de música boa. Então, eu fico encantada com essa proposta do “Tiny Desk” de ter Taylor Swift, Bad Bunny e Chaka Khan. E, do nada, aparece um Ca7riel & Paco Amoroso, que eram super indies e depois viraram super pop por conta do programa.
E, de repente, tem o Mac Miller fazendo aquela coisa crua do hip hop dele com violino, ou então o do Tyler The Creator, que também mistura rap com violino… juro como eu choro de emoção.
O POVO - A curadoria dos artistas que participam dos próximos programas é feita inteiramente pelo Amabis? Ou existe um diálogo com participação sua também?
Sarah - A curadoria dos artistas é feita inteiramente pelos Amabis, em parceria com a Anonymous Content, que é a produtora que trouxe o “Tiny Desk” pro Brasil. Eles têm a supervisão da NPR. Eu não participo da curadoria, eu só me emociono, me empolgo e ajudo, se precisar, a fazer pontes.
O POVO - O que mais te interessa no formato do programa, tanto nos shows quanto nas entrevistas?
O que mais me interessa no formato do programa é essa singularidade, essa proposta dos artistas cantarem e tocarem sem retorno.
E o que me encanta nas entrevistas é que os caras chegam tão emocionados. Eles vêm direto da apresentação e vão pro meu estúdio. Já houve quem chegasse chorando, outro tendo ataque de riso, de emoção. Um outro inventou uma música na hora e falou: “Acabei de inventar uma, tô tão emocionado que tô inventando uma música”.
Eles chegam e a gente já tá batendo palma, já se abraça, tipo: “Cara, eu fiz o Tiny Desk! Eu consegui”. São artistas que acompanham o Tiny Desk, que sabem, inclusive, da seriedade por trás da feitura do programa, e sabem que é feito inteiramente por pessoas muito apaixonadas por música. E eu sou uma delas, vou para essas gravações com um sorriso de orelha a orelha.
O POVO- Existe uma variedade grande de gêneros, idades e estilos musicais entre os convidados das Tiny Talks. Como acontece a sua preparação para essas conversas? Você tem algum ritual antes das entrevistas?
Sarah - As pautas eu faço com a minha diretora, Roberta Cunha. É um trabalho totalmente personalizado, de acordo com quem vai se apresentar. Nós ficamos pirando nas perguntas, porque tem que ser algo muito criativo, diferente, já que é para o YouTube.
Os meus programas são mais emocionais, têm essa relação com a memória afetiva musical, então possuem outro ritmo, outro flow. Falamos sobre a apresentação, mas eu também faço ping-pongs completamente direcionados a cada artista. É uma piração, fazemos uma superpesquisa, mergulhamos no universo deles, e eles adoram.
Acabei de assistir ao programa do Péricles, e o Pericão é um cara que entende muito de música. É uma delícia conversar com ele sobre Earth, Wind & Fire, Cassiano, e contar para o público que ele aprendeu a ouvir Beatles com os Golden Boys.
Já com o João Gomes, fiz uma brincadeira do tipo “piseiro ou flow de hip hop”, porque sei que ele também adora rap. Ele tem só 23 anos, mas me conhecia porque me assistia no Luau com o Charlie Brown Júnior, nas minhas entrevistas. É muito legal isso, muito bonito.
O estado de espírito deles influencia muito também. Está sendo uma das coisas mais lindas da minha carreira, porque eu já entrevistei muita gente logo depois do show, mas é diferente. Eles saem meio que flutuando da apresentação, então eu os recebo em uma vibração muito forte e acabo entrando nessa vibração também. É intenso.
O POVO - Depois dos Estados Unidos, o Brasil é o país que mais consome Tiny Desk no mundo. Você acredita que a versão brasileira será amplamente assistida por lá? Conseguimos exportar a nossa produção musical da mesma forma que importamos a deles?
Sarah - Eu acho que sim. Parece que já está com uma audiência absurda, é praticamente um case no YouTube. Sei que é o público brasileiro que está assistindo, mas acredito que vá para fora também.
A música é algo sem fronteiras. Não podemos ter preconceito nem limites. Acho que já exportamos nossa música brasileira, e o público lá fora consome muito. É uma música muito respeitada no mundo todo.
O POVO - De que forma a simplicidade e o formato orgânico do Tiny Desk nos fazem repensar a produção musical em tempos de autotune e inserção da inteligência artificial?
Sarah - Acho muito importante repensar a produção musical como algo sagrado. A música tem esse poder sagrado de reconectar as pessoas, e, às vezes, a indústria musical esquece um pouco disso e fica muito focada no business, nos algoritmos e em outras questões técnicas. O Tiny Desk vem na contramão desse ritmo.
Ele mescla, assim como lá fora, os grandes e os alternativos. E é assim que deve ser, porque precisamos fazer uma curadoria musical bonita nesse sentido, como a MTV já fazia também. Não dá para ficar apenas nessa lógica dos números. Acho que as pessoas já estão percebendo isso em todos os âmbitos, não só na música.
E acho lindo que a molecada assiste muito Tiny Desk. Vejo pela minha filha, que tem 12 anos, e tenho certeza de que foi ela quem me apresentou a Doechii, por conta do Tiny Desk dela que vimos juntas.
É incrível que nessa época louca de inteligência artificial, autotune e trends que mudam o tempo todo, com mixagens e “edits”, é bonito ver os adolescentes entendendo a importância do “Tiny Desk”, porque mostra a crueza da música, mostra a música pela música.