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"O sonho é que o Ceará tenha sua cinematografia toda restaurada", diz Rosemberg Cariry
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"O sonho é que o Ceará tenha sua cinematografia toda restaurada", diz Rosemberg Cariry

Em entrevista ao O POVO sobre a remasterização em 4K de "Lua Cambará: Nas Escadarias do Palácio" (2002), Rosemberg Cariry reflete sobre a importância da preservação do cinema brasileiro
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Foto: LUA CAMBARÁ/reprodução Em entrevista ao O POVO sobre a remasterização em 4K de "Lua Cambará: Nas Escadarias do Palácio" (2002), Rosemberg Cariry reflete sobre a importância da preservação do cinema brasileiro

50 anos depois de registrar em super-8 suas primeiras imagens em movimento do interior do Ceará em 1975 com o curta-metragem “A Profana Comédia", Rosemberg Cariry está voltando do Fecine – Festival de Cinema do Nordeste Brasileiro, onde recebeu homenagem pela sua carreira.

Numa vídeochamada informal, ele me conta atencioso sobre a cidade em que aconteceu o festival, Areia (Paraíba), terra natal do romancista José Américo de Almeida, autor de “A Bagaceira”, e de Pedro Américo, autor da clássica pintura “Independência ou Morte”. “É uma cidade histórica, na Serra da Borborema, e que preserva um patrimônio histórico e arquitetônico muito interessante. Gostei muito”, diz ao tirar os óculos.

Antes mesmo começarmos a entrevista para O POVO, Rosemberg já deixava clara a sinceridade do seu interesse pelas culturas nordestinas e seus desdobramentos na constante reinterpretação do Brasil como um país que está sempre atrás de sua própria história.

Em outubro, a cinefilia do sudeste voltou a discutir o imaginário do Nordeste com “Lua Cambará: Nas Escadarias do Palácio” (2002), remasterização em 4K feita em parceria do Museu da Imagem e do Som do Ceará (MIS-CE) e do MAM Rio, que teve sua primeira exibição na 49ª Mostra Internacional de São Paulo.

Protagonizado por Dira Paes e Chico Diaz, dupla que já havia explodido em “Corisco e Dadá” (1996), o filme adapta o conto de uma tradição oral sobre Lua, filha ilegítima de um coronel e uma escrava que duela pela sobrevivência solitária num sertão permeado de racismo e misoginia.

“A história da Lua é um pouco a tragédia da formação do povo brasileiro, de uma miscigenação nascida da violência. Para sua aceitação naquela sociedade ela tem que tentar parecer branca, e ela tenta fazer isso imitando o comportamento e a cultura”, responde quando lhe pergunto sobre a atualidade dessa história.

Dira Paes e Chico Diaz protagonizam filme

De volta ao horário nobre da TV Globo com a novela recém-lançada “Três Graças”, Dira Paes aparece nessas imagens de 20 anos atrás com uma garra visceral impressionante. Assim como Dadá, sua Lua encara a violência de frente e não deixa a crueldade escapar do seu próprio controle. Pode até parecer grosseiro para a plateia de hoje, o que expõe ainda como o grito de revolta dessa personagem não envelheceu.

“A Dira mergulhou. Diferente de Dadá, ela trabalha também essa dimensão mística e sabe não ser tão naturalística”, comenta sobre o trabalho com a atriz cerca de seis anos após a filmagem do papel que lhe rendeu um Candango no Festival de Brasília. “Há uma certa ideia de representação, expressividade de gestos e sentimentos, e ela respondeu com muito talento. Ela tem garra e doçura”.

A imagem em 4K realça essa imersão sobrenatural na mitologia de Lua e do Sertão, fazendo com que essa ideia imagética de um sertão esturricado consiga brilhar até de noite quando as penumbras e contraluzes surgem de forma assombrosa. Embora de 2002 para cá não pareça tanto, foi tempo o suficiente para um desgaste na película original da obra que desafiou todo o processo de restauração.

“Os negativos ficaram no laboratório da Labocine, no Rio de Janeiro, e quando eles fecharam, todo esse material terminou indo para outro depósito. Ficou lá por muitos anos sem condições climáticas adequadas e houve uma degradação severa. Esse material foi recolhido pelo Hernani Heffner para a Cinemateca do MAM”, contou sobre a dificuldade do processo.

O trâmite minucioso exigiu um paciente exercício de garimpagem para reunir cópias guardadas em lugares diferentes e montar trecho a trecho, limpando manchas e fungos nas películas, tomando cuidado para que a obra final não parecesse um Frankestein. Além da atuação do MIS, participaram também Petrus Cariry no retoque das cores frame a frame e Érico Paiva (Sapão) na digitalização das fichas de som.

“Estou completando 50 anos de cinema e acho que no próximo ano estaremos com todos os meus filmes restaurados”, pontua, anunciando que os próximos a serem lançados serão “O Caldeirão da Santa Cruz do Deserto” (1987) e “A Saga do Guerreiro Alumioso” (1993).

“Eu considero isso importante não só para mim como realizador, mas para a própria cinematografia do Ceará, do Nordeste e do Brasil. O MIS está também restaurando filmes de outros realizadores. O sonho é que o Ceará tenha sua cinematografia toda restaurada”, conclui. Não há previsão para a estreia comercial de “Lua Cambará” no circuito comercial, mas em 2026 deverá ficar disponível de forma gratuita no Siará+.

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