Um filé nos restaurantes da elite carioca carregava seu nome. Manchetes o chamavam de “Doca, o playboy apaixonado”. Era convidado de honra em festas e eventos sociais durante o período em que aguardava o julgamento.
Esse foi o tratamento que a sociedade brasileira concedeu a Doca Street, responsável pelo assassinato de sua então namorada, Ângela Diniz, em 30 de dezembro de 1976.
Quase meio século depois do crime, a história volta a ganhar manchetes por conta de “Ângela Diniz: Assassinada e Condenada”, nova série da HBO Max, dirigida por Andrucha Waddington.
Com estreia nesta quinta-feira, 13, a produção coloca no centro da trama Marjorie Estiano, como Ângela, e Emilio Dantas, no papel de Doca Street.
Baseado no podcast “Praia dos Ossos”, da Rádio Novelo, o roteiro é assinado por Elena Soárez, conhecida por “O Mecanismo” e “Filhos do Carnaval”.
Em entrevista ao O POVO, a roteirista destaca o processo de escrita, que durou cerca de cinco meses e contou com jornais e revistas da época para reconstruir os fatos.
“O ‘Praia’, da Branca Viana e Flora Devaux, foi a mais preciosa fonte de pesquisa que qualquer roteirista possa sonhar em ter. A pesquisadora Paula Salles também nos municiou com jornais da época e nos deu acesso a três amigos muito próximos a Ângela. Essas conversas foram muito importantes na construção das cenas e diálogos, o tipo de coisa que faziam, onde iam e como falavam”, explica Elena.
Contudo, na transposição para as telas, o recorte temporal também foi outro. Enquanto a versão em áudio se debruça no pós-crime, a equipe da Conspiração, produtora que assina a produção em parceria com a HBO, concentrou-se em falar das diversas camadas da socialite, ao contrário do que foi feito nos noticiários da época.
“O arco que nos interessou descrever tem como gesto inicial a decisão de Ângela de se desquitar numa sociedade e tempo em que isso não era nada banal. Foi o primeiro passo de uma jornada na direção de uma vida própria, pela qual pagou muito caro, com a vida”, afirma.
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Se, na época, a grande mídia buscou justificar o crime adjetivando Diniz como uma mulher “extravagante”, “libertina” e “de temperamento forte”, a série tem em um de seus pilares a ideia de que a suposta santidade, ou a ausência dela, não deve ser parâmetro para decisões.
“Tivemos o cuidado de não ceder à tendência de santificar a personagem. Não interessa passar a ideia de que, para não ser assassinada, tem que ser santa. Então, a Ângela da série não é uma santa. Como, aliás, Ângela não era, nem ninguém é”, defende a roteirista.
Esse cuidado também foi basilar para Andrucha Waddington, diretor que segue em ascensão pelo seu último longa, “Vitória” (2025), estrelado pela veterana Fernanda Montenegro.
Para o cineasta, apesar de recontar o passado, as questões do machismo estrutural e do moralismo da elite brasileira, evidenciadas no caso, seguem mais atuais do que nunca.
“O caso Ângela Diniz fala tanto do Brasil que fomos quanto do Brasil que, de certa forma, ainda somos. A tese da ‘legítima defesa da honra’, usada durante décadas em casos de feminicídio, só foi definitivamente afastada pelo STF em 2021. Fazer esta série é dar voz a esse debate urgente e necessário”, destaca Waddington.
No caso real, em um primeiro julgamento de Doca Street, a defesa alegou que ele agiu “em legítima defesa da honra”. Condenado a dois anos de prisão, cumpriu pena em liberdade por ser réu primário. Em 1981, após a anulação do primeiro veredito, um novo júri foi montado para avaliar o caso e Doca recebeu pena de 15 anos de prisão.
Com seis episódios, o elenco da série também é composto por Antônio Fagundes, no papel do advogado e ex-ministro do STF Evandro Lins e Silva, Thiago Lacerda (Ibrahim Sued), Camila Márdila (Lulu Prado) e Yara de Novaes (Maria Diniz).
"Ângela Diniz: Assassinada e Condenada"