"É importante entender a profissionalização em dança como resultado de um processo que envolve vários agentes, tanto da sociedade civil como do poder público", destaca Ernesto Gadelha, coordenador de Formação da Secretaria da Cultura do Ceará.
Para além das academias privadas de dança, ele frisa a Vila das Artes e o Centro Cultural Bom Jardim (CCBJ) como os principais espaços públicos no ensino da formação básica da dança. Gadelha cita as OSCs (Organizações da Sociedade Civil) que promovem a formação em dança com apoio do governo estadual; assim como a Universidade Federal do Ceará, que tem graduação em Dança.
"A existência de corpos artísticos estáveis é uma política que acontece em alguns estados do Brasil, sobretudo em capitais. Isso é um formato que vem sendo repensado, em termos das suas relações trabalhistas, o tipo de vínculo empregatício que se estabelece com o poder público, as suas formas de produção artística e suas políticas estéticas, e é uma discussão que merece ser feita por meio de uma escuta do campo artístico", aponta.
Ele destaca que, em Fortaleza, foram discutidos os formatos para expandir o mercado de trabalho na dança, mas não existiram avanços. "Sendo uma demanda consistente do campo da dança e, de forma mais ampla, da sociedade, consideramos que ela merece ser discutida para se avaliar a pertinência de implementar uma política dessa natureza, a que esfera ela deveria se vincular, e, consequentemente, o formato e propósito com o qual isso seja implementado", ressalta.
Sob o âmbito municipal, a Secultfor reforçou as ações de formação básica oferecidas há 20 anos pela Vila das Artes. Segundo a pasta, o processo se desenvolve de forma contínua e se desdobra em novas oportunidades.
"A política cultural do Município busca ampliar caminhos de formação continuada que favorecem a inserção profissional de quem deseja construir carreira na dança", diz texto enviado ao O POVO.
A pasta acrescenta: "Como etapa complementar, a Vila das Artes mantém o Corpo Artístico Jovem de Dança, o Caju, destinado a egressos da Formação Básica. O programa oferece aperfeiçoamento técnico e orientação para ingresso em cursos técnicos, superiores e outras formações profissionalizantes. Criado em 2023 por chamada pública, o Caju já recebeu 30 jovens ao longo de três anos".
O preço do sonho
Desde cedo, disciplina em sala de aula, entrega nos ensaios e cuidado com o corpo são princípios introduzidos à trajetória de um dançarino que busca profissionalização. Na corrida para alcançar o sonho de ser primeiro bailarino ou integrar uma companhia, é preciso fazer escolhas. Com poucas oportunidades no Ceará para atuar profissionalmente em comparação com a demanda de talentos, os bailarinos migram para outras capitais ou países para compor o elenco de companhias.
"Aos 17, eu ganhei uma bolsa integral para a Alemanha, a bolsa chegou, eu tinha um mês para ir, eu falei: 'Eu vou'. Uma oportunidade como essa não dava para ser perdida. Para nós, dentro do Ceará, dentro de Fortaleza, ou você trabalha e vira professor, ou você trabalha para ir para fora como bailarino", relata Lívia de Castro.
Filha de músico e de dançarina, ela esteve em contato com a arte, e não demorou para buscar aulas de balé. Foi por volta dos 13 anos que decidiu seguir carreira. Seus aprendizados na Escola de Ballet Goretti Quintela abriram oportunidades em festivais, audições e congressos.
Foi a partir de uma apresentação como convidada no Festival Fida, em Belém, que conseguiu a oportunidade de participar da temporada de uma companhia de dança no Rio de Janeiro. Atualmente, aos 27 anos, Lívia é contratada da Cia de Ballet Dalal Achcar, na capital fluminense.
"Se houvessem companhias em que se recebesse um salário, onde os bailarinos conseguissem trabalhar exclusivamente com aquilo, os artistas da dança teriam como ficar. Assim, eu só estou fora porque eu tive a oportunidade. Queria muito dançar e trabalhar com isso e não tinha essa oportunidade na minha cidade", explica.
Essa realidade é compartilhada por Israel Mendes, 23 anos. O bailarino deu seus primeiros passos na dança aos 6 anos por meio de um projeto chamado "Vida Nova". Desde então, buscou aprimorar aprendizados e, com a técnica adquirida no Studio de Dança Mainara Albuquerque e na Escola Bolshoi Brasil, conseguiu bolsas e contratos na Europa.
Após alguns anos, Israel retornou a Fortaleza e passou a dar aulas e explorar suas técnicas como coreógrafo. Na terça-feira, 18, ele embarcou rumo à Nápoles, na Itália, para se apresentar e iniciar os ensaios de uma turnê pela Alemanha.
O artista ressalta que "sair do Estado é infelizmente uma necessidade, visto a falta de estrutura para manter uma vida profissional". O bailarino acrescenta que falta uma iniciativa voltada aos profissionais da dança como acontece no Ballet do Theatro Municipal do Rio de Janeiro e na São Paulo Companhia de Dança.
Para Júlia Cabral, estudante de administração, podcaster e ex-atleta, a cultura do reconhecimento da dança em outros países tem um caráter forte que repercute na execução das atividades. Júlia iniciou balé em Maceió e, ao se mudar para Fortaleza, passou a frequentar o Centro de Ballet Clássico Mônica Luiza. Espaço onde ela se aprofundou na técnica e passou a participar de audições.
Após 15 anos dedicados à carreira, decidiu usar a dança como passatempo. Atualmente, aos 20 anos, descobriu paixões e desenvolveu o podcast WHO'S JULIA!?. Ela destaca que a presença de público nas apresentações fortalece as companhias. "O Rio é uma cidade grande e uma das principais diferenças aqui é que os teatros lotam sempre".
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